O guitarrista George Lynch e o baixista Jeff Pilson fizeram seu nome na cena do Hard Rock quando integraram o Dokken, uma das maiores bandas dos anos 80, com a qual gravaram trabalhos marcantes como Tooth And Nail (1984), Under Lock And Key (1985) e Back For The Attack (1987). Os desentendimentos pessoais com o vocalista Don Dokken ocasionaram a saída de Lynch, que montou outra banda de sucesso, o Lynch Mob. Pilson permaneceu mais tempo ao lado do Dokken, mas nesse tempo também lançou álbuns com seus projetos pessoais, entre eles o Undergound Moon e o War & Peace. A união destes dois astros do Hard aconteceu de forma surpreendente e o resultado foi o lançamento de Wicked Underground, um álbum que mostra uma nova visão musical e um resgate ao Hard dos velhos tempos.
Quando você e o baixista Jeff Pilson decidiram se juntar e criar este novo projeto?
George Lynch: Essa é uma história estranha e engraçada. Um dia estava com minha filha num lava rápido de carros e um funcionário de lá me reconheceu. Era um grande fã e ficamos conversando. Aí ele disse que seria interessante se eu voltasse a tocar com Jeff e que o próprio Jeff cantasse na banda nova. Comecei a pensar e vi que seria mesmo uma boa, como estar de novo no Dokken, mas sem o Don, e como um trio. Depois, liguei para Jeff e demos início ao projeto. Eu mesmo tinha umas músicas ainda não usadas e começamos a trabalhar em cima delas.
E você se tornou amigo desse cara do lava rápido?
Lynch: De certa forma sim. Ele é um cara legal e meio excêntrico. Além do trabalho dele, nos fins de semana, ele tem um hobby e dirige um trem levando seu grupo de amigos. Nos falamos de vez em quando por e-mail.
Quando e por que você decidiu pegar o baterista Michael Frowein? Com quem ele tocou antes de se juntar a você nesse projeto?
Lynch: Antes de ligar para Jeff eu tinha que ter uma pessoa para fazer umas jams comigo e ver se as idéias que eu tinha ficariam legais quando fossem gravadas em meu estúdio aqui no Norte da Califórnia. Então, comecei a fazer uns testes e aí conheci Michael. Depois que nos conhecemos foi algo mágico e tivemos uma interação muito rápida. Parecia que eu tinha voltado no tempo, quando estava na escola e costumava fazer jams com várias pessoas da minha área. Confesso que bateu esse saudosismo em mim, porque tudo estava sendo feito no mesmo local que cresci. Pensei comigo: “Aqui estou novamente, fazendo jams com caras da minha área”. Eu e Michael ficamos tocando sem parar por horas. Além de testar as minhas idéias, nos divertimos muito! Antes de tocar nesse projeto comigo, Jeff tocou um tempo no Tesla.
Existe uma razão especial para a escolha do título Wicked Underground? Tem alguma conexão com o álbum Wicked Sensation do Lynch Mob e também com a banda de Jeff, Underground Moon, ou é algo que concerne ao atual momento do underground do Rock no mundo?
Lynch: Na verdade, coloquei uma enquete em meu site e os fãs davam suas sugestões. Wicked Underground foi uma delas e a consideramos com a melhor! Entendo o que você quer dizer com o momento atual do underground, mas certamente a idéia inicial foi unir o título do álbum do Lynch Mob com o da banda de Jeff. Depois disso, o engraçado é que não sabíamos que nome iríamos dar para a banda. No final acabou mesmo ficando Lynch Pilson ou LP, como queiram.
Lynch: Fizemos toda a pré-produção em meu estúdio e então começamos a gravá-lo no estúdio de Jeff. Levei vários equipamentos para Los Angeles para este trabalho. Achei que tudo saiu de forma perfeita, mas para o que queríamos ainda faltava algo. Então, tivemos a chance de levar tudo para o Henson Studios, em Hollywood, que é mais conhecido como A&M Studios e também era o antigo estúdio de filmagem de Charlie Chaplin. Confesso que no começo aquilo seria apenas um teste, mas esses poucos dias de testes acabaram virando vários meses. A maioria das músicas foi gravada lá, à exceção da parte vocal, onde quase tudo foi feito no estúdio de Jeff.
Para ser bem honesto com você, eu sempre gostei de seus riffs pesados, mas a faixa do álbum que mais me chamou a atenção quando escutei o Wicked Underground foi a Ever Higher, que começa bem calma e com dedilhados e depois entra o peso. Você acredita que a Ever Higher possa ser considerada como um resumo de todo o seu trabalho como músico?
Lynch: Acredito que em sentido amplo você tem razão. Eu havia criado esta música no violão fazia bastante tempo, quando eu estava vivendo numa cidadezinha, em Crave Creek, no Arizona, com minha filha. Aquele foi um período bastante introspectivo da minha vida. Eu nem tocava guitarra naquela época, apenas violão. Esta música é muito profunda e significa muito para mim, algo meio espiritual. E isso reflete muito quando se escuta, porque transmite muita emoção e também possui um lado mais forte e intenso. Por tudo isso, a considero a melhor do álbum.
Outra música interessante é a Zero The End, que tem uma construção perfeita e um grande solo. É muito bom escutar algo feito por quem realmente entende de Hard Rock! Você ficou chateado com a indústria da música quando eles abandonaram as bandas de Hard nos anos 90?
Lynch: Na verdade eu acho que tinha mesmo que ser assim. O velho tinha que dar espaço ao novo, como uma renovação, já que era uma nova geração que estava chegando. O mundo nunca pára de mudar e a música também sente estas mudanças. É uma ordem natural das coisas. Entretanto, é claro que aquilo me machucou de algum modo, mas devemos seguir sempre em frente e não baixar a cabeça. Aqui estou! Estou disposto e fazendo o que sei e vamos em frente!
Você concorda que alguns momentos do Wicked Underground têm o mesmo estilo do Dysfunctional do Dokken? Além disso, Jeff canta de forma bem parecida com a de Don Dokken!
Lynch: Não vejo tanta similaridade especificamente entre o Dysfunctional e o Wicked Underground, mas até sinto que tenha coisas do velho Dokken. Mas é claro que isso sempre vai acontecer quando e Jeff estivermos compondo juntos.
A idéia de cantar no álbum partiu de Jeff ou vocês estavam com receio de pegar um vocalista que não conhecessem direito e que poderiam ter problemas de relacionamento no futuro?
Lynch: A coisa mais importante para Jeff neste projeto era entrar e ser o vocalista. Eu não tinha sequer outra opção para o posto de vocalista e Jeff sonhava com aquilo. E eu também queria que ele mostrasse toda a sua capacidade, e aí foi bem fácil.
Você não concordou muito com a comparação que fiz em relação ao Dysfunctional mas a faixa When You Bleed e o final da Ever Higher possuem elementos e alguns riffs que lembram os que você utilizou no álbum Smoke This do Lynch Mob. Claro que sei que o estilo é completamente diferente mas você concorda que existe esta conexão?
Lynch: Não vejo problema algum nisso, porque é muito difícil em tantos anos de carreira você não rever alguns conceitos ou regredir alguns degraus e olhar para o que havia feito. Eu nunca evitei me esforçar para fazer o melhor e se isso significa me repetir em alguns aspectos, tudo bem. Ninguém culpa o AC/DC por isso (risos). Até certo ponto sinto que até deveria fazer mais essas coisas para mostrar quem eu sou. Prefiro que alguém veja isso pelo lado que estou recriando as minhas próprias coisas do que investindo no estilo de outros.
Você definiria o estilo do álbum como um Hard Rock melódico, mas com uma intensidade e agressividade implícita e na medida certa?
Lynch: Esta é exatamente a definição deste trabalho! Como disse antes, eu tenho minha forma de criar músicas e isso não se muda! É como se fosse um diálogo interno que tenho comigo. Se isso soa datado para alguns, tudo bem, este é o meu estilo. É isto que me define na cena e por isso às vezes eu me repito.
Falando um pouco sobre o Lynch Mob, como está a banda após o lançamento do Revolution?
Lynch: Obviamente devemos observar o álbum por um outro ângulo, porque não são novas composições. Acredito que fizemos um trabalho interessante nas versões, pois mudamos alguns riffs e ‘grooves’ das músicas. Ele foi gravado totalmente em sistema análogo, também no Henson Studios. O Lynch Mob é uma banda que se acostumou a fazer turnês e é o que estamos fazendo aqui neste verão.
Mas você não pretende fazer uma turnê?
Lynch: É claro que quero! Mas temos que analisar bem a nossa agenda, porque Jeff está produzindo muita coisa atualmente está com o tempo limitado. Além disso, eu estou tocando com o Lynch Mob. Eu e Jeff conversamos muito sobre tocar ao vivo com o Lynch Pilson, e acredito que seja apenas uma questão de ajeitar o momento ideal para fazer a turnê. Nós também teremos que analisar quem quer nos ver ao vivo e não sairmos como loucos gastando dinheiro e tempo se ninguém oferece uma boa proposta. Na verdade, sairmos por conta própria seria um erro, porque acho que ninguém sabe quem somos.
Como assim, você quer dizer que ninguém sabe quem é George Lynch e Jeff Pilson?
Lynch: Não é bem assim (risos). Quero dizer que é uma situação realmente complicada e só faremos shows se isto tiver algum propósito para nós.
Isto tem alguma coisa ver com o trabalho da Spitfire Records?
Lynch: Prefiro não comentar nada a este respeito!
A MTV 2 dos Estados Unidos voltou a passar o programa de videoclipes “Headbanger’s Ball”. Você acredita que ainda seja importante para músicos como você e Jeff?
Lynch: Vamos esperar mais um pouco para ter a noção exata do que eles querem com este retorno, o que irão colocar em na programação. No passado, é claro que foi importante. Mas isto faz tempo e agora está difícil ter espaço nas rádios, revistas e na televisão. Depende de muita coisa, porque algumas bandas têm uma exposição gigantesca, como o Linkin Park agora, e para eles é viável gastar 300 mil dólares num clipe. Para nós não faria tanto sentido fazer um clipe para passar uma vez na televisão daqui. Se fosse para ter uma visibilidade maior e atingir diversos países aí seria uma boa. Com o LP teríamos que encontrar um diretor que poderia fazer algo legal com um custo baixo. É isto que fizemos para gravar tanto com o LP e o Lynch Mob, fizemos tudo com um custo mais baixo e demos o máximo de nós para obter um bom resultado.
Qual é a melhor coisa de trabalhar novamente com Jeff Pilson, comparando com a época que vocês estavam juntos no Dokken?
Lynch: Não temos mais Don, o que é bom. Não há mais desculpas para não se fazer algo. Quero dizer, se vamos trabalhar em cima de uma música, temos apenas que fazê-la. Mesmo com as limitações, é algo recompensador porque trabalhamos com muito afinco. Com você divide algo muito forte com uma determinada pessoa, em qualquer tipo de trabalho, você acaba tendo uma sorte interação e é isso que eu e Jeff temos!
Certo, mas quais foram as melhores e as piores coisas de ter feito parte do Dokken?
Lynch: A melhor é claro que foi o sucesso e notoriedade que tivemos, o que nos deu a maravilhosa chance de viajar pelo mundo e tocar para multidões de pessoas. As piores coisas foram os conflitos pessoais na banda e a nossa queda e decadência. Mas cair, às vezes, pode ajudar uma pessoa, tanto espiritualmente como fisicamente (risos). Quero dizer, você pode levantar mais forte ainda!
Nunca entendi bem o seu desentendimento pessoal com Don Dokken, mas ele sempre diz que aquele álbum horrível do Dokken chamado Shadowlife tem tudo a ver com você e que ele apenas gravou os vocais.
Lynch: Bem, falar este tipo de coisa é típico de Don. Se algo não dá certo a culpa não é dele e ele precisa encontrar um culpado. Se a resposta for positiva os créditos vão para ele. Uma das razões por não nos darmos bem é que há mais de 15 anos damos esse tipo de entrevista e ele sempre se dá o crédito para coisas que não deveria e culpa as outras pessoas que nada tem a ver com a história. Como disse, isso é típico dele!
Mas por que vocês gravaram um trabalho tão ruim como o Shadowlife?
Lynch: Aquele álbum tinha mesmo uma outra ambientação. De certa forma, não éramos mais uma banda unida e descontraída que trabalhava junta e tinha união. Mas vou lhe explicar o que aconteceu com Shadowlife. Nós gravamos dois álbuns diferentes. O primeiro, sem Don, não tem nada a ver com o que foi lançado. Mas, aí ele entrou em cena na última hora, mudou o máximo que pôde e o disco acabou falhando. Se tivesse sido feito do meu jeito, Don nem teria cantado naquele álbum! Na verdade ele era bem pesado e muita coisa acabou ficando de fora. A gravação que fizemos em meu próprio estúdio no Arizona ficou muito melhor da que foi lançada.
Don também odiou a produção daquele álbum, que foi feita por Kelly Gray.
Lynch: Acho que não gostou porque o álbum fracassou e aí pôde botar a culpa em alguém. Como eu falei, até Don e Kelly botarem as mãos aquele era um álbum diferente, bem intenso e pesado. Mas eles foram para o estúdio de Don e mudaram, aí ficou aquela merda!
Nos anos 80, muita gente conhecia uma banda apenas pelo som da guitarra e o estilo do músico, como, por exemplo, quando ouvíamos os seus riffs e também de outros como Warren DeMartini (Ratt) e Chris Holmes (W.A.S.P.). Existe algum guitarrista da atualidade que está na mídia que você aprecia o estilo?
Lynch: Gosto de Fredrik Thordendal, do Meshuggah, pois acho que faz um trabalho original e que pode se identificado. Ele é a versão moderna do Allan Hollsworth. Outro cara que gosto é o Tom Morello, que era do Rage Against The Machine e está no Audioslave. Sei que ainda existem vários guitarristas da minha época que ainda estão aí e que merecem ser ouvidos com atenção, mas hoje em dia eu não gosto de escutar uma pessoa só e sim a música como um todo, e analisar a atmosfera e a vibração total de um som. O que importa é que a banda consiga fazer um show intenso!
Você está próximo de completar 50 anos de idade (N.R.: Lynch nasceu no dia 28 de setembro de 1954, em Spokane, Washington/EUA). Qual o melhor álbum que você gravou?
Lynch: O Wicked Sensation, porque todos os elementos vieram na hora certa. Eram as pessoas ideais para tudo, management, gravadora, produtores, turnês e, claro, os músicos! Por sorte tinha o tempo e o dinheiro disponíveis para que tudo fosse feito da melhor forma. É o melhor trabalho que me envolvi até hoje e tenho a intenção de superá-lo um dia. Espero que seja também com o Lynch Mob! Estamos trabalhando em um novo álbum da banda, que será lançado ano que vem e estou muito animado.
Você nunca teve a chance de tocar no Brasil, seja com o Dokken ou com o Lynch Mob, mas acredita que isto possa vir a acontecer?
Lynch: Acredito que sim, porque até hoje nem entendi como não fomos para o Brasil! Mesmo assim, quero me certificar de tudo, pois quando tiver a oportunidade de ir, quero tudo seja feito da melhor maneira e no momento certo. Viajar na loucura só para conhecer não é uma boa. Quem sabe toque com o Lynch Mob, LP ou o que eu estiver fazendo no futuro. Além do Brasil, também quero pode tocar na Austrália, onde nunca estive.
Entrevista publicada na edição #55 da revista ROADIE CREW (agosto de 2003)
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