quarta-feira, 12 de março de 2008

VINTE E CINCO ANOS DE MAGNETISMO

É, hoje vou sair da escola e vou direto para o centro. Meu pai nem vai falar nada. Minhas notas estão boas. Saí até no quadro de destaque do Liceu Pasteur. Não tem do que reclamar. Mas preciso passar em casa antes. Como vou entrar na Woodstock com esse uniforme marrom feio do Pasteur? Lá na loja tem aqueles caras cabeludos, com as jaquetas jeans cheias de buttons e patches. Não posso ir assim tão ridículo. É. Não dá. Mas aí minha mãe pode reclamar. Ah, tudo bem. Eu tenho que comprar o novo disco do Kiss!’…
No carro, a caminho de casa, solto: “Mãe, vou lá no centro agora, no escritório do meu pai”. Já esperava por um sonoro “Mas de novo? Hoje não!”, mas felizmente as coisas estavam bem tranqüilas. Afinal, nada melhor que notas altas no boletim e ser titular do time de basquete para amansar os ânimos. “Almoce antes então. Por que tanta pressa?”, disse minha mãe. A resposta foi de bate pronto: “Porque ele não sabe que eu vou e quero almoçar com ele”. Pronto. Consegui.
A troca de roupa durou um minuto. Tirei aquele uniforme cor de bosta, que até mesmo meus tios que tinham estudado no Pasteur falavam mal, e coloquei minha camiseta do Judas Priest. Precisava ir rápido. “Tchau mãe. Avisa o Leke pra não ir para o clube antes de eu chegar”.
Em meia hora eu já estava saindo do metrô Sé, perto daqueles caras que engraxam sapatos, das ciganas que faziam leitura da mão oferecendo pipoca e dos pregadores evangélicos. Ao chegar no escritório, cumprimentei os advogados, meu avô e o João Carlos, que trabalhava lá e foi responsável por me fazer ouvir Rock e Heavy Metal. Logo entrei na sala do meu pai. “Aí pai, vou lá na Woodstock, tá bom?”. Com a rapidez de sempre e o bom-humor habitual, ele respondeu: “Tudo bem meu filho, mas não demore. Preciso almoçar mais cedo porque tenho audiência às 14h no fórum João Mendes Jr.”.
Em menos de um minuto eu estava na escada rolante verde claro daquela galeria da rua José Bonifácio, que no andar térreo tinha a alfaiataria do Pires e umas lojas de roupas. Àquela altura estava olhando para baixo e pensando: ‘Se eu conseguir comprar o novo disco do Kiss e meu pai resolver almoçar aqui embaixo no restaurante Itamarati eu estou feito. Será um dia perfeito’.
Ao entrar na Woodstock fiquei olhando para as paredes e as estantes para ver as novidades que o proprietário Walcir Chalas sempre colocava à frente, com seus avisos especiais caso os discos fossem bons. Por sorte avistei que já havia chegado o novo disco do Kiss. Vi e tomei um susto: ‘Mas o que é isso?! Eles estão mesmo sem maquiagem?! Oras, mas acabei de ver o show deles no Morumbi e foi aquela coisa teatral, explosiva, com tiros de canhão, fumaça colorida, fogos de artifício e com todos eles maquiados. Achei que era boato, que nunca iriam fazer isso. Tá bom. A indicação do Walcir na capa está como ótimo. Tenho que levar!’.
Walcir, esse disco do Kiss sem máscara é melhor que o ‘Creatures Of The Night’?”, questionei. “É bom. Pode levar Batalhinha. E leva antes que acabe, porque todo mundo sabe que chegou e está vindo aqui“, disse Walcir. Aí fiquei olhando outros discos e pensando: ’será que ele está falando isso só para vender? Ah, pode ser, mas ele nunca indica coisa ruim quando coloca o papel na capa escrito ótimo. Com o UFO foi assim. Com o Judas Priest foi assim. Com o Scorpions, Triumph, The Rods, Motörhead e tantos outros também. Pô, foi por causa daquela coletânea em fita K-7 que ele gravou que conheci o Anvil, Metallica, Raven, Accept e tantas outras bandas’. É, eu não tinha como duvidar. Afinal, ia levar de qualquer jeito este disco. Só de ver a cara limpa dos caras do Kiss pela primeira vez já valia.
Comprei o disco e voltei ao escritório do meu pai carregando-o com orgulho debaixo do braço. Logo o tirei daquela embalagem em papel branco com o logotipo da Woodstock e mostrei a capa para o João Carlos, vulgo “Sujeirinha” e que tempos depois seria piloto de motocicletas sob o pseudônimo “Johnny Dillinger”. Ele, incrédulo, disparou: Rica, eu também achava que era boato, mas se eles tiraram a maquiagem é porque alguma coisa séria aconteceu. Será que estão precisando de grana? Posso até errar, mas ou é um disco histórico ou será daqueles que a gente tem vontade de devolver pro Walcir depois de ouvir”. Como ele também não costumava errar, fiquei com aquela pulga atrás da orelha. Mas devolver eu não ia. Pô, só a capa já valia. E ainda por cima aqueles caras velhos fãs de Kiss não gostavam do “Dynasty” e do “Unmasked” e eu adorava. Tinha que ser bom!
Estava indo para a sala do meu pai, mas antes parei na do meu avô. “Comprou mais um disco, Ricardo?”, perguntou ele. “Sim Vô, do Kiss”, respondi. “Ah, dos mascarados?”, emendou ele. “É. Eles eram. Olha aqui a capa”, disse. “Esse sujeito aqui está estranho, Ricardo. É meio vira-folha”, brincou meu avô, questionando a sexualidade de Paul Stanley.
Me despedi de todos no escritório, porque naquele momento eu só pensava em ouvir o disco novo do Kiss. Do Kiss sem máscara! Mas antes disso fui almoçar com meu pai. Daquela vez não no restaurante Itamarati. Pena. É, mas foi bom, o garçom de lá demorava muito e nem deixava a gente pedir direito. Era daqueles que gostava de adivinhar os pedidos. Até o Walcir da Woodstock sabia disso, porque às vezes ele também almoçava lá.
Ao sairmos do restaurante, enquanto meu pai se dirigia ao fórum, fomos tomar um café. Claro que antes discutimos, porque ele sempre queria tomar num que ficava perto da loja Kopenhagen e eu num bar nojento e sujo perto da praça da Sé. Bem, por minha causa, acabamos indo naquele misto de buteco e restaurante, que servia a média em copo de pinga. Era feio, mas o café era melhor.
Despedi-me e fui quase correndo para a Sé. Meia hora depois estava em casa ouvindo o disco do Kiss. Do Kiss sem máscara. O “Lick It Up”! Naquele dia acabei nem indo ao treino de basquete. Estava abobado. Meu irmão Frederico (Leke) também não foi ao clube treinar. Minha mãe entendeu que estávamos quase obcecados pela novidade.
Acho que meu irmão sentiu mais os efeitos hipnóticos do disco, pois considera até hoje o “Lick It Up” um dos melhores do Kiss. A música então nem se fala… Eu tinha a minha opinião: era melhor que o “Creatures Of The Night”! Efeitos daquele momento? Não sei. Meu irmão responde até hoje: “Os dois são bons. A briga é feia!”. No final, aprovamos o Kiss sem máscara e eu criaria mais uma polêmica na escola no dia seguinte. Claro que eu levei a mala com material escolar e o disco do Kiss embaixo do braço.
FICHA TÉCNICA - KISS “LICK IT UP” (1983):
Gravação:
julho e agosto de 1983
Lançamento:
18 de setembro de 1983
Gravadora: Mercury Produtores: Michael James Jackson, Gene Simmons e Paul Stanley
Estúdios utilizados: Right Track Studios, Atlantic Studios e The Hit Factory - Nova York/EUA
Charts:
24º lugar na The Billboard 200
Primeiro Single:
“Lick It Up” (setembro, 1983)
Segundo Single:
“All Hell’s Breakin’ Loose” (janeiro, 1984)
Premiação:
disco de platina pela vendagem de 1 milhão de cópias
LADO A:
1. “Exciter” (Vinnie Vincent, Paul Stanley) - 4:10
2. “Not for the Innocent” (Vincent, Gene Simmons) - 4:23
3. “Lick It Up” (Vincent, Stanley) - 3:59
4. “Young and Wasted” (Vincent, Simmons) - 4:04
5. “Gimme More” (Vincent, Stanley) - 3:41
LADO B:
1. “All Hell’s Breakin’ Loose” (Vincent, Stanley, Simmons, Eric Carr) - 4:34
2. “A Million to One” (Vincent, Stanley) - 4:17
3. “Fits Like a Glove” (Simmons) - 4:04
4. “Dance All Over Your Face” (Simmons) - 4:13
5. “And on the 8th Day” (Vincent, Simmons) - 4:02
Tempo total: 41′27″
KISS:
Gene Simmons - baixo e vocal nas faixas “Not For The Innocent”, “Young and Wasted”, “Fits Like A Glove”, “Dance All Over Your Face”, e “And On The 8th Day”;Paul Stanley - guitarra e vocal nas faixas “Exciter”, “Lick It Up”, “Gimme More”, “All Hell’s Breakin’ Loose” e “A Million To One”Vinnie Vincent - guitarras e backing vocalsEric Carr - bateria e backing vocals

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