sábado, 5 de abril de 2008

LOUCURAS EM VHS: TUDO EM NOME DO METAL


Um pouco antes do almoço daquele sábado, 17 de outubro de 1987, o pessoal da minha turma do Colégio Objetivo (Unidade Luis Góes / Humanas) - todos agora universitários - estava sossegado tomando umas cervejas, falando besteira e aproveitando o sol em Santos, naquela área localizada um pouco antes da divisa de São Vicente. O prédio do Cláudio Fortuna, onde estávamos, situava-se em frente ao Caiçara Clube. Lá antes ficava o Hotel Internacional, que foi demolido em 1959, dez anos antes do meu nascimento.
Quem vivia ou passava temporadas naquela parte da cidade falava em Macuco, Pompéia, Marapé, mas até hoje não sei direito o nome do bairro. Para mim era José Menino, mesma região onde meu avô Augusto e meu bisavô Agostinho - já falecidos - tinham seus apartamentos. Só que lá falavam em Morro do José Menino. Tudo bem, as memórias são várias, mas agora não vêm ao caso, mesmo porque o meu outro falecido avô, o Professor Sóter, e meu tio Eduardo, também tinham apartamentos em São Vicente, perto do tradicional restaurante Boa Vista.
Naquela manhã de ressaca - nossa, não do mar -, uns estavam jogados nas cadeiras de praia, recarregando as baterias da noitada que havíamos feito na sexta-feira. Outros aproveitavam o dia de sol e zoavam como se não houvesse amanhã. Foi quando eu e Mauricio Gawendo, o popular “Gavião”, confirmamos para o pessoal da turma do Objetivo - Claudio Fortuna, Adalton Ribeiro, Fabio “Santão” Martins, Antonio Celso “Totó” e Alexandre Sawaya - aquilo que na noite anterior eles tinham duvidado. Na real, quase tinham feito apostas de que não iríamos cumprir o que tínhamos falado.
“Vocês estão loucos?! Sair da praia com este sol para voltar para São Paulo e filmar um festival de bandas nacionais em um colégio no sábado?”, esbravejaram. Gavião e eu confirmamos, dizendo que não dava para perder um evento como o “Radha’s Festival”, que teria bandas como Centúrias, Vodu, Sídero, Tormenta, Skullcrusher, Battle, entre outras.
Todos riram da nossa cara, mas não nos importamos. Eles sabiam que cumpríamos religiosamente nossos compromissos e sempre íamos juntos ao Teatro Mambembe. Alguns deles também iam, mas só para curtir os shows, enquanto nós íamos para filmar. Não ganhávamos muita coisa filmando, mas víamos aquilo como uma forma de poder fazer algo de útil para a cena, além de auxiliar as bandas com a gravação do show em vídeo, que naquela época era novidade.
Antes de pegar a estrada para São Paulo fomos almoçar no Beduíno, que ficava ali perto, na avenida Presidente Wilson. Os beirutes, como de costume, estavam muito bons, mas os nossos pensamentos não iam além das câmeras de VHS, as filmagens e o Heavy Metal nacional. Não sabíamos ao certo onde ficava o colégio que seria realizado o “Radha’s Festival”, se no Ipiranga ou na Mooca, mas acabamos achando o local com certa facilidade. Afinal, a vontade de gravar aqueles shows de bandas brasileiras sempre falou mais alto.
Chegando ao colégio, rapidamente conseguimos acesso. Até então não havia a chamada ‘imprensa especializada’ e era muito fácil entrar em qualquer evento quando se estava carregando câmeras de vídeo, pois pouca gente possuía aquele tipo de equipamento. Era até engraçado o modo como as pessoas nos olhavam quando estávamos com as câmeras. Em alguns casos, chamávamos mais a atenção que os próprios músicos que iam tocar. No Teatro Mambembe tínhamos até espaço reservado e circulávamos como se tivéssemos um ‘all access’ no peito. Só o cara da portaria, que depois chegou a colaborar na Rock Brigade, embaçava e queria dar uma de mandão. O mais legal é que toda semana ele falava a mesma coisa: “Os nomes de vocês não estão na lista. Vão ter que esperar”. E toda vez ele vinha cinco minutos depois: “Tá liberado. Podem entrar”. Eu e Gavião já nem ligávamos mais. Deixávamos o cara lá com aquele ar de autoridade e depois entrávamos na boa, mesmo porque nós tínhamos as câmeras. As velhas Panasonic, aquelas que cabiam a fita VHS inteira dentro.
Com a autorização para ir para todos os lugares no “Radha’s Festival”, fomos dar uma passada nos camarins, que na realidade eram salas de aula, separadas por banda. Como sempre havia tensão no ar, desta vez porque o vocalista Eduardo Camargo faria um show com o Sídero, justamente antes do set do grupo que o projetou no cenário, o Centúrias. “Será que eles (Centúrias) vão falar com o Edu?”, questionavam alguns que andavam pelos corredores da escola.
O Sídero era uma banda paulistana que ensaiava no bairro dos Jardins e que inicialmente contava com os gêmeos Mario Henrique Machado (baixo) e Mario Augusto Machado (bateria), além de Alex “Duyu” Colacioppo (guitarra) e um outro guitarrista que infelizmente não lembro o nome. A primeira Demo, coisa absurdamente rara, trazia uma mescla de Hard Rock e Metal, em sons como a instigante “Gosto de Fel”. Como a banda tinha diversas composições, mas não conseguia encontrar um vocalista, as partes de voz foram registradas por Alex “Duyu”, hoje um renomado luthier. Tempos depois, da formação original restou apenas Mario Augusto Machado, que chegou a ensaiar com o Viper após a saída de Cassio Audi. O Sídero faria no “Radha’s Festival” seu primeiro show com o novo line-up, agora com o reforço do vocalista Eduardo Camargo.
Tudo corria bem naquela tarde, a não ser alguns atrasos na troca de bandas no palco e o som, que vez ou outra falhava. Mesmo assim, os grupos fizeram shows corretos e agitaram os presentes. O Sídero não impressionou, mas não decepcionou.
Quem teve problemas durante seu set foi o Centúrias, que divulgava faixas do LP “Ninja” (1987). O grupo também estava com um novo line-up, agora com o fundador Paulão Thomaz (bateria) atuando ao lado de César “Cachorrão” Zanelli (vocal, ex-Santuário e Aerometal) e os ex-Harppia Ricardo Ravache (baixo) e Marcos Patriota (guitarra).
Eu e Gavião já havíamos filmado o antológico show “No Posers” do Centúrias, ocorrido no Teatro Mambembe a 12 março daquele mesmo ano. Na ocasião, Paulão usou um sinal de ‘proibido posers’ nas peles de resposta dos bumbos gigantes de sua batera (ver foto) e César “Cachorrão” Zanelli passeou pelo palco com uma placa tipo a de trânsito de proibido estacionar com a inscrição ‘proibido posers’. Paulão queria tirar uma onda do visual de seus amigos do grupo paulistano de Hard/Glam Proteus, entre eles Ciro Bottini (vocal - hoje um campeão de vendas no Shoptime) e Joe Moghrabi (guitarra - um dos melhores professores de guitarra do Brasil), que haviam tocado no Mambembe na semana anterior.
Mas se tudo deu certo no show “No Posers” o mesmo não pode ser dito no “Radha’s Festival”. Eu e Gavião estávamos fazendo as filmagens ao lado do técnico de som, em cima de um praticável de madeira que ficava na pista, mas a uma considerável distância do palco. A medida que os shows iam acontecendo, o técnico ia bebendo sua garrafa de Fanta Laranja. Só que no meio do set do Centúrias, o retorno para o palco começou a falhar e a chiar, atrapalhando a performance. Ao final de uma música, Cachorrão falou diretamente para o técnico de som o que estava acontecendo. Mas o problema persistiu e durante a execução de “Não Pense, Não Fale” - faixa do EP “Última Noite” (1986) - o transtornado Cachorrão mudou o refrão e cantou: “Vamos armar as guitarras e invadir esta MERDA!!!!”… Depois disso, ele passou a detonar o técnico de som a cada final de música. Só que o som para o público, que saía dos PAs, não estava ruim. Era só no palco, para os músicos. Mas o Cachorrão nem se ligou e continuou irado, gritando: “Seus filhos da puta… Arrumem isso!”… O mais curioso é que quanto mais ele ficava nervoso, os fãs mais aplaudiam e gritavam. Segundo relato do baixista Ricardo Ravache, eles poucas vezes foram tão aplaudidos. É, quem pagou pato foi o Centúrias, pois naquela garrafa do técnico de som só havia o rótulo de Fanta Laranja.
O “Radha’s Festival” durou até a noite e também acabou sendo o último do Vodu com a formação que divulgava o álbum de estréia, “The Final Conflict” (1986): André Góis (vocal), André “Pomba” Cagni (baixo), Sérgio Facci (bateria), Bruno Bontempi e Jeff Bellasky (guitarras). Eu e Gavião havíamos filmado o show de estréia de Jeff - que substituiu José Luis “Xinho” Gemignani - a 28 de julho de 1987 no Teatro Mambembe. Naquela oportunidade o Vodu dividiu o palco com o Angel, um grupo vindo de Santos, curiosamente o local de onde eu e Gavião saíamos naquele sábado ensolarado para registrar o que rolou no “Radha’s Festival”. Tudo em nome do Metal…

3 comentários:

  1. Ae Batalha, toquei com o Tormenta nesse festival, e foi uma experiencia bem legal tocar naquela quadra aberta e ainda com a luz do dia, o som não estava bom, mas nunca estava. Tenho algumas fotos desse show, mas a melhor o Conrado levou dizendo que iria colocar no zine, nunca mais...

    Vc fez alguma imagem do Tormenta nesse dia? Ainda tem elas?

    abraço

    marcelo

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  2. Pelo amor do Metal! Converte isso pra DVD e disponibiliza no youtube! Além de uma questão de backup de segurança (fitas VHS podem mofar ou magnetizar) agente pode matar saudades de uma época de ouro do Metal nacional e um festival inesquecível e pioneiro! Abraços!

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  3. turma de 1987 do objetivo da luis goes - alguém conhece o Franco ? Não sei o sobrenome dele, mas lembro que ele tinha umamigo chamado Flavio e moravam perto da Av. Santa Catarina - se alguém souber dele segue meu email: alessarod@ig.com.br.

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