sábado, 20 de setembro de 2008

CROSSOVER TUPINIQUIM

SEPULTURA E RATOS DE PORÃO: A PRIMEIRA VEZ NINGUÉM ESQUECE...

"Você vai lá no Mambembe filmar o show hoje?", perguntou-me o amigo Marcelo Fanin, ex-baixista e meu companheiro na banda Cizânia (foto), querendo saber se iríamos no Teatro Mambembe como fazíamos religiosamente toda semana. "Lógico", respondi prontamente, sem perceber que estávamos prestes a presenciar um evento histórico. Sim, eu sei, já falei sobre este assunto no especial "1987: O ano da consolidação do Metal brasileiro", publicado na edição #107 da revista Roadie Crew, mas aquele primeiro encontro real entre o Metal e o Punk/Hardcore em São Paulo é digno de registro. Portanto, vale um revival.

A grande maioria dos que compareceram ao "Maquinaria Rock Fest", realizado a 17 de maio último, pode nem ter noção de que o festival que reuniu nomes como Sepultura, Ratos de Porão, Korzus, Threat, Matanza, Biohazard, Suicidal Tendencies, Misfits, Tristania e outras, só foi possível por causa daquela fusão ocorrida em 1987 com a união do Sepultura e Ratos de Porão. E olha que as datas disponíveis para Metal no Mambembe nem eram sextas ou sábados à noite e sim às segundas ou terças!

A parceria do Sepultura com o Ratos de Porão, fato que se tornou corriqueiro anos depois, era algo inconcebível em São Paulo. João Gordo que o diga... Até que ele declarasse abertamente sua paixão pela vertente mais extrema do Metal e criar laços estreitos de amizades no meio, foi ignorado e muitas vezes hostilizado. Vários ficavam até com receio de se aproximar dele. Mas abrir caminhos, quebrar barreiras e enfrentar as adversidades - sempre com bom humor - foi algo que ele tirou de letra. Sofreu, mas levou numa boa.

No Rio de Janeiro, graças à Dorsal Atlântica, a coisa era diferente. A própria Dorsal tinha uma alma Hardcore em seu som e o público naturalmente herdou (ou "roubou", como diria o guitarrista/vocalista Carlos Lopes) as tradições dos shows Punk. Lá no Rio, à época do também saudoso Caverna 2, as rodas de pogo eram comuns. E o "bater correntes" no chão da "turma do fundão" na pista do Caverna era algo chocante para os forasteiros. Pude ver isso de perto, mas vou contar esta história numa próxima. O problema lá no Rio era outro: Zona Sul X Zona Norte (Era?!...).

Em São Paulo e na região do ABC havia um grande abismo na relação do Punk com o Metal. Era uma coisa teoricamente "perigosa". Musicalmente não, mas socialmente sim (se é que podemos considerar ser "contra" o próximo algo social). Some-se isso ao fato de que os "inimigos" de ambos eram os Carecas. Só que eu o Fanin já estávamos cansados de ouvir que os skinheads (Carecas do ABC, do Subúrbio, White Powers) iriam invadir o local e quebrar todo mundo que estivesse lá. Por sinal, nem estávamos pensando nisso. E, convenhamos, quem liga para boatos é tolo demais ou é daquele que acredita na própria mentira que inventou. Como nunca demos bola para essas besteiras e em tempo algum havíamos tido problemas desta ordem em shows fomos na maior alegria e descontração. Eu até tinha uns conhecidos de cabeça raspada que eram temidos por alguns covardes, mas jamais fui a um show ou a algo relacionado com o Rock/Heavy Metal pensando nisso. Talvez por isto nunca tive problemas e até fiz algumas amizades, digamos, "indesejadas" por alguns. Eu estava (e estou) nesta pela música. Única e exclusivamente pela música!

Mas eu tinha uma preocupação: a bateria da minha velha câmera Panasonic VHS, que agora é peça de museu. Só que aquele trambolho pesado tinha me feito entrar no circuito do Metal, algo que eu sempre desejei. Claro que não fiquei parado, só ansiando por algo. Fui atrás e o primeiro passo foi partir para as filmagens de shows e a edição de fanzines. Nunca quis ser músico e a bateria era apenas mais uma ação. Eu queria estar no meio, queria participar, reportar e ajudar aquilo tudo crescer.

O próprio nome do primeiro zine que editei ao lado dos irmãos Tabuso (Caio e Conrado), DeathCore, prova que jamais tive problema com o Crossover. Alguns anos antes, quem queria ouvir algo mais extremo recorria naturalmente ao Hardcore finlandês (o HxCx americano não era tão bem visto assim, como o Punk Jaime "Alemão" - que morava no mesmo bairro e era amigo do Fanin - costumava me dizer). Como o Thrash e o Death Metal ainda estavam em formação e o som dos grupos que surgiam eram leves demais, vibrávamos ouvindo Lama, Rattus, Kaaos, Riistetyt, Terveet Kadet e tudo que o Jaime indicava...

Mesmo com esta ligação direta e a afinidade mútua na musicalidade do Punk e do Metal, ninguém ousava "invadir" o espaço de outro. O simples fato de ter cabelo comprido e usar uma camisa do Riistetyt (que me foi dada pelo Jaime) era
motivo de espanto no meio do Metal. Engraçado que muito tempo depois passei esta camisa para o vocalista do Goatlove, Roger Lombardi (foto), meu ex-companheiro nas bandas Midnight e Sunseth Midnight. Roger canta como Andrew Eldritch (Sisters Of Mercy), mas é tão fã de HxCx e Punk que fez e faz questão de usá-la em fotos promocionais.

Esse lance todo de Metal X Punk era tão radical, "xiita" (como Carlos Lopes da Dorsal costuma falar) e confuso que o Caio Tabuso do DeathCore Zine certa vez foi proibido de entrar no escritório da revista Rock Brigade simplesmente porque estava com a camisa do Sex Pistols. Se eu ou o Caio fomos ingênuos ou contestadores não importa. Aquilo foi ridículo, mas o establishment (como diria o cronista esportivo Milton Neves) era assim. Da mesma forma causava estranheza ver um Punk moicano usando uma camiseta do Motörhead ou do AC/DC. Mas não estávamos nem aí. Ouvíamos o HxCx finlandês, alemão e continuávamos gravando fitas do Discharge, Stiff Little Fingers, The Exploited, English Dogs, Sham 69, Minor Threat, Varukers... Gravando, comprando e lendo todos os fanzines Punk. E nada batia os Zines Punk!

Na ida ao Mambembe Fanin (foto) e eu até chegamos a comentar o que poderia acontecer se houvesse o encontro entre fãs de Punk, Metal e os Skins. Como coloquei na revista Roadie Crew, aquela mensagem do hino United Forces, gravado pelo S.O.D. no álbum Speak English Or Die em 1985, enfim seria colocada à prova.

A situação era realmente complicada, mas descemos na estação
Paraíso e fui na boa carregando aquela malinha Tiger fajuta com a câmera Panasonic. A preocupação logo deu lugar ao papo sobre música. "Será que o Sepultura vai tocar aquele som do Demo-Tape que você tem?", questionou Fanin a respeito da música The Past Reborns The Storms (http://www.youtube.com/watch?v=viAOdgmGOPI), que depois ficou conhecida como From The Past Comes The Storm e saiu no disco que o Sepultura estava para lançar, o excelente Schizophrenia.

O Ratos de Porão do João Gordo, Jabá (foto), Jão e Spaguetti era cultuado por muitos e odiado por tantos outros. Na época a banda já escancarava sua influência de Metal, iniciada com Descanse Em Paz (1986) e efetivada com Cada Dia Mais Sujo e Agressivo (1987). Duvido que você nunca ouviu alguém dizer que uma banda Punk teve sua "fase Metal".

O Sepultura e o Ratos de Porão estavam interessados em quebrar barreiras e fazer valer o ditado de que "a união faz a força". Na realidade, primeiramente por amizade. João Gordo e o Sepultura se encontraram em 1986, em Belo Horizonte (MG), quando o vocalista do RxDxPx viajou para ver os shows do Venom e Exciter, com abertura do próprio grupo dos irmãos Cavalera, Max e Igor. Posteriormente, integrantes do Sepultura apareceram entre os convidados especiais do terceiro 'full lenght' do RxDxPx, Cada Dia Mais Sujo e Agressivo.

"Tinha um puta cagaço da carecada invadir, matar todo mundo e tal, mas o show foi do caralho. Foi um marco o heavy metal e o punk terem se juntado em São Paulo. A partir dali, uma banda influenciou a outra e a amizade que ficou é muito forte", Andreas Kisser para a revista Trip.
(http://revistatrip.uol.com.br/76/cd/home.htm)


Os shows foram absurdamente intensos, penso que um dos mais furiosos da carreira do Sepultura e do RxDxPx. Gordo inclusive fez questão de discursar sobre a possível invasão dos skins. Quem temeu, perdeu aquelas apresentações históricas. Acredite ou não, aquele show mudou a cara do Metal brasileiro. O sentimento de sair do Mambembe e falar "Eu vi isso acontecer" deu um outro sentido na vida de todos que compareceram.


Nenhuma briga ocorreu, mas no final do evento o proprietário da Woodstock Discos, Walcir Chalas, caminhou com boa parte do público até a estação do metrô Paraíso no melhor estilo "líder de gangue". Ele foi à frente como se fosse um investigador de Polícia. Até hoje ele vai falar que não carregava arma de fogo alguma, mas então se alguém plantou o boato, funcionou.

Voltamos para casa e eu logo fui ver o registro em vídeo. O som do VHS tinha ficado legal, mas a imagem estava meio escura, porque lá não tinha jeito. A iluminação era fraca mesmo. O Ayala fazia tudo que podia com o equipamento que tinha à disposição, mas quase sempre a imagem ficava escura. Só que eu preferia ver tudo preto e ainda ter isto em mãos. Dizem as más línguas que a fita original foi parar nas mãos do baterista do RxDxPx e nunca mais foi recuperada (muito embora existam sites com o DVD deste show do Ratos à venda). Mas eu e o Fanin temos isto na memória. Daqui ninguém tira estas lembranças e o "perigo" de ir ao show virou motivo de orgulho. Nós vimos o surgimento do genuíno "Crossover Tupiniquim".

Sites relacionados:
www.myspace.com/ratos
sepultura.uol.com.br

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Arquivo Entrevista: CRONOS (Venom)

O trio inglês de Newcastle Venom foi formado em 1979 por Conrad "Cronos" (baixo e vocal), Jeff "Mantas" (guitarra) e Tony "Abaddon" (bateria). O impacto do som apresentado por eles no primeiro EP foi fulminante, já que distanciava-se dos padrões da época. O som foi descrito como Black Metal, unindo agressividade, peso e velocidade, com letras de temática satânica. Os primeiros trabalhos, "Welcome To Hell" (1981) e "Black Metal" (1982) foram suficientes para que o trio alcançasse uma posição de destaque na Europa. Estes dois trabalhos são cultuados até hoje e são venerados pelas bandas mais extremas. O trabalho seguinte foi o EP "Acid Queen" (1983), que culminou com a primeira turnê pelos Estados Unidos. No ano seguinte fizeram uma pequena excursão pela Europa, batizada de "Seven Dates Of Hell" e na mesma época lançaram o álbum conceitual "At War With Satan". Mantendo a seqüência em seus lançamentos, soltaram mais um EP, "Manitou" (1985), e outro álbum, "Possessed". Quando partiriam para mais uma turnê norte-americana, "World Possession Tour", Mantas ficou impedido de viajar e foi substituído por Les Cheetham (ex-Avenger) e Dave Irwin (Fist). Em 1985, Mantas saiu em definitivo do Venom e para seu lugar entraram Mike H. e Jimi C., line-up que passou pelo Brasil em 1986, ao lado do canadense Exciter. Depois, a banda continuou lançando álbuns, mas não conseguiu se manter no topo e a decadência parecia natural. Isto até o ano 2000, quando o mundo foi surpreendido com o grande lançamento de "Resurrection", um álbum que novamente coloca o Venom em posição de destaque. O líder Cronos concorda e conta os detalhes na entrevista a seguir...

O mais recente álbum, "Resurrection", mostra um Venom muito forte, vigoroso, especialmente as linhas vocais. Qual sua opinião sobre o resultado final deste trabalho, já que a parte instrumental está mais técnica? O produtor Charlie Bauerfeind tem parte nisto?
Cronos: Saudações amigo, fico contente que você gostou do álbum novo, eu me esforcei ao máximo nos ensaios por quase um ano antes de entrar no estúdio para gravar este trabalho, aí sim a tensão imperou! Charlie também teve muito trabalho para tirar os sons crus dos instrumentos, uma marca do som do Venom.

Venom é uma tradicional banda dos anos 80 e a maioria dos fãs falam que os primeiros álbuns ("Welcome To Hell" e "Black Metal") são os melhores. Como você acredita que "Resurrection" poderá trazer novos fãs e manter os antigos?
Cronos: Os fãs mais antigos vêm nos dizendo que gostaram muito de "Resurrection". É o Venom com uma extremidade mais afiada, um som bem pesado, cheio, volumoso, com algo de Hardcore, um álbum completo. Temos recebido muitos e-mails de novos fãs pelo site (www.welcome.to/venomslegions) e eles realmente estão curtindo o novo álbum.

O novo baterista, Anthon, deu mais vigor ao som. Abaddon saiu da banda por estar mais ligado ao som alternativo?
Cronos: Você respondeu sua própria questão! É isto mesmo!

Muitos músicos que atualmente tocam Death e Black Metal sempre mencionam o Venom como grande influência. Como você se sente sobre isto?
Cronos: Considerando que o Metal em geral estava agonizando no final dos anos 70, o Venom incorporou as idéias do Punk Rock e o Heavy Metal, criando ou produzindo uma nova sonoridade e atitude: o Black Metal. Este é o tipo de Metal que queremos ouvir. Então, é muito gratificante saber que existem outras bandas que fazem o Metal extremo. Isto é demais!

Vários problemas com produtores e promotores tumultuaram a turnê brasileira do Venom. Naquela época o Brasil não era rota obrigatória para as turnês das bandas de Metal, mas o Venom e o Exciter ajudaram a colocar nosso país no mapa. O que você lembra que aconteceu de melhor naquela passagem?
Cronos: O entusiasmo do público foi brilhante! Além de uma grande platéia, pudemos sentir que tínhamos uma legião de fãs no Brasil, mas, você está certo, existiram pequenos problemas que tivemos que passar por cima, pois tínhamos que fazer a turnê de qualquer jeito. O nosso objetivo era muito maior do que as dificuldades que tivemos que passar. Queríamos ver se nossa música poderia atingir o Brasil e vocês responderam que sim!

Existe alguma possibilidade de vocês retornarem para o Brasil na turnê de "Resurrection"?
Cronos: Nossa pequena turnê européia aconteceu em outubro e em novembro passamos pelos Estados Unidos, mas ainda não temos planos de fazer uma turnê pela América do Sul. Mas, os fãs devem dar sempre uma checada no nosso site, quem sabe terão uma agradável surpresa?...

O Venom tem uma extensa discografia, com álbuns, EPs e singles, mas você pode mencionar algum trabalho em especial que julga o melhor?
Cronos: A cada álbum, vídeo e show temos um novo desafio, mas precisaríamos escrever nossa biografia completa para poder lhe responder isto. Os nossos melhores momentos foram e são aqueles em que tudo se sai bem e os piores momentos são aqueles em que acontecem coisas que não estão em nossos planos.

Como você analisaria a cena inglesa para o Heavy Metal atualmente?
Cronos: Os melhores dias já foram, mas a cena do Reino Unido está melhorando. Sei que o Metal aqui nunca será o mesmo, muitas coisas estranhas aconteceram dos anos 80 para cá. A música sempre está mudando, mas mesmo assim devo culpar a imprensa inglesa especializada em Rock pela decadência do Metal em meu país.

No início de sua carreira sei que você se interessava muito em ouvir novas bandas de Metal. Atualmente você tem o mesmo interesse?
Cronos: Sempre procuro saber o que está acontecendo, gosto de Metal e não vou mudar. Gostaria de recomendar um CD bem estranho (N.R.: obviamente brincando), que é o novo do Pantera. É quase tão pesado quanto o "Resurrection" (risos).

Entrevista publicada na edição #25 da revista ROADIE CREW (dezembro de 2000)

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Arquivo Entrevista: CHRIS DREJA (The Yardbirds)

A banda inglesa The Yardbirds é uma das mais importantes da história do Rock, bastando citar que teve em seu line-up guitarristas geniais como Jeff Beck, Jimmy Page e Eric Clapton. Mas sua importância não se resume só pelo fato de ter tido músicos respeitados e cultuados em suas fileiras, pois o fato mais relevante é o de terem sido um dos desbravadores na cena do Rock nos anos 60 e gravado músicas que viraram clássicos, como For Your Love, Heart Full Of Soul, Shapes Of Things, I’m A Man, Over Under Sideways Down, Happenings Ten Years Time Ago, The Train Kept A-Rollin’, I’m Not Talking, entre outros. Além disso, o The Yardbirds chamava a atenção em seus shows, especialmente em sua “casa” - o Marquee Club, de Londres (ING) -, pois poucos mostravam tamanha energia e peso no palco na década de 60. Após trinta e cinco anos afastada, a banda lançou ano passado um novo trabalho de estúdio, Birdland, um verdadeiro presente aos fãs, pois traz composições inéditas em seu track list e regravações de clássicos. Além disso, o álbum conta com a presença de convidados ilustres, como Jeff Beck, Slash, Steve Vai, Brian May (Queen), Steve Lukather (Toto) e outros. Da formação original, estão o baterista Jim McCarty e o guitarrista Chris Dreja, além de Gypie Mayo (guitarra), Alan Glen (harmônica) e John Iden (baixo e voz). Na entrevista a seguir, Chris Dreja fala a respeito do retorno da banda e traça alguns paralelos sobre a década de 60 e a atualidade.

O que motivou o retorno do The Yardbirds à cena musical após trinta e cinco anos do último lançamento de estúdio?
Chris Dreja: Sacolas e sacolas de dinheiro! Não, estou brincando (risos). Bem que eu queria que fosse (risos). Mas, na realidade o Yardbirds nunca deu dinheiro e não é por isso que estamos de volta. O que ocorreu foi que no final dos anos 60, quando nos separamos, cada um tomou seu rumo, seja na música ou em outras áreas de atuação. Desta forma, não foi possível reunir os músicos para algo com a banda, pois um estava no Led Zeppelin, outro trabalhando com produção e outro atuando com fotografia. No meio dos anos 80 fizemos alguns álbuns como Box Of Frogs. Eu, Paul Samwell-Smith e Jim McCarty, mas não era o The Yardbirds e o trabalho contou com a participação de músicos como Rory Gallagher, Ian Dury e outros. Mas nos anos 90 os empresários do clube londrino Marquee Club entraram em contato conosco para tocarmos lá, já que temos uma forte ligação com o local. Eu queria muito tocar e aí reunimos o pessoal e foi quando redescobrimos a força de nossa música, que havíamos criado nos anos 60. Até então, não tínhamos grandes planos para continuar, mas eu e Jim começamos a conversar a este respeito e resolvemos reunir uma banda para fazer shows. Aí tudo começou a ficar evidente para nós, que deveríamos colocar o nome do The Yardbirds de novo na cena e no século 21, com a gravação de um álbum.

Como vocês assinaram com a gravadora do guitarrista Steve Vai, Favored Nations, para lançar o novo álbum, Birdland?
Chris: Como você deve saber, a indústria da música e os negócios mudaram muito desde os anos 60. Há uma enorme dificuldade atualmente para se assinar um contrato. Nós fomos procuradas por diversas companhias, mas elas não pareceram ser a coisa certa para nós e a escolha certa seria mesmo a gravadora de Steve Vai. Steve é um guitarrista fantástico e sempre se mostra solícito e interessado no trabalho de outros guitarristas. Ele ama a música e é um cara muito legal e justo. Desta forma, optamos por lançar o álbum pela gravadora dele.

Você citou bastante os anos 60, mas como analisa a evolução da música desde aquela época? Você viu de perto o surgimento de tudo, o início do Hard Rock, o surgimento do Heavy Metal...
Chris: Nós quebramos muitas regras, ultrapassamos várias barreiras sendo uma banda original. Nós tínhamos nosso estilo, a química para tocar e temos consciência de que a década de 60 foi um período bastante criativo para a música em geral na Europa. Eu venho de uma escola que trouxe nomes como Eric Clapton, Pete Townshend e outros. Nós não tínhamos fórmulas a seguir e tivemos que desbravar e fazer acontecer sem seguir regras ou coisas pré-estabelecidas. Nós criamos o que tínhamos em mente e a história se encarregou de colocar as fórmulas que temos hoje em dia, seja o Hard Rock, Punk, Heavy Metal ou Psychobilly. Eu sei que ajudamos de alguma forma a criar estes estilos que eu citei, mas é claro que naquela época não sabíamos nada disso. Agora sabemos de tudo (risos)! Hoje sabemos por onde caminhar e o que irão dizer, mas no início de nossa carreira isso era uma coisa, de certa forma, imprevisível.

Com relação ao desenvolvimento da tecnologia, como você compararia a gravação de um álbum em estúdio nos anos 60 com as várias possibilidades de equipamentos avançados que temos hoje em dia?
Chris: Olha, devo dizer que a diferença chega a ser algo inacreditável. Nos anos 60 éramos quase primitivos em alguns pontos. Costumávamos tocar muito mais ao vivo do que passar semanas trancados em estúdio para gravar. Fazíamos as gravações em horas. Por outro lado, se analisarmos friamente, veremos que todo aquele material gravado naquela época era brilhante em termos de criatividade, ainda mais se levarmos em conta o lado da inovação com aquele tipo de som que fazíamos.

Mas você se sente à vontade em usar a tecnologia a seu favor ou prefere trabalhar à moda antiga?
Chris: Para lhe ser honesto, no início eu achava tudo muito difícil mexer com essas coisas de computador. Muitas coisas são mais complicadas de se fazer e certas vezes até são frustrantes. Mas, neste novo álbum, trabalhamos com o produtor Ken Allardyce, que é de nossa geração, mas também se envolveu com nomes como o Goo Goo Dolls, Fleetwood Mac e outras bandas muito boas. Entre nós, desenvolvemos uma forma de trabalho que a tecnologia foi usada a nosso favor, mas sem comprimir nosso som e sim deixar com que a nossa energia e criatividade fossem tolhidas por causa destes avanços em equipamentos modernos. A energia e criatividade são elementos necessários para o som do The Yardbirds. Muita coisa foi feita ao vivo em estúdio e gravadas em sistema analógico. Daí, passamos para o sistema digital. Foi um misto de várias técnicas e sistemas.

Então o trabalho ao lado do produtor Ken Allardyce foi aprovado? Como analisa o resultado final de Birdland?
Chris: Foi totalmente aprovado. O resultado final e o trabalho com ele em estúdio foram muito bons! E Ken nos conhece faz muito tempo, pois ele esteve presente em um evento chamado “Beatles Christmas Show”, que foi realizado no natal de 1965, no Hammersmith, em Londres (ING). Ele se tornou nosso fã desde então e desta forma foi um trabalho prazeroso e feito com paixão, tanto para ele como para nós. Como Ken estava familiarizado com o equipamento novo e nós não estávamos, ele fez um trabalho brilhante, balanceando as diferentes formas do uso dos equipamentos e da tecnologia moderna. Resumindo, ele conseguiu transpor nossa personalidade para as máquinas. Tanto as regravações das músicas antigas quanto o material inédito refletem a essência da banda, porém com uma produção melhor e uma mixagem perfeita, algo que não conseguíamos nos anos 60.

Falando em personalidade, como foi o processo de composição das músicas inéditas para o Birdland, visto que havia este hiato de mais de trinta anos sem o lançamento de um trabalho novo da banda? O sentimento na hora de compor foi o mesmo?
Chris: Nunca é bom vermos por este lado do tempo entre os lançamentos, pois não iríamos nos sentir tão à vontade (risos). Sentimos para este álbum que deveríamos ser honestos conosco ao invés de pegar uma influência em particular ou de tentar seguir coisas mais modernas. Quisemos fazer tudo como se estivéssemos ainda nos anos 60. Desta forma, com o auxílio da tecnologia, acabou saindo como um The Yardbirds revigorado. Queríamos que a música tivesse a mesma integridade do passado e tudo aquilo que fez da banda um nome de respeito na música. Claro que os arranjos deveriam ser identificáveis com nosso estilo, não só para nossos antigos fãs, mas também com a preocupação de adquirirmos novos.

Você considera então o The Yardbirds como uma banda sem regras e sem limites na hora de compor?
Chris: Sim! O The Yardbirds sempre será bem eclético. Em sentido amplo, vejo que quando uma banda consegue sucesso com uma fórmula, ela fica repetindo-a ou variando em cima daquilo. Eu acredito que ser versátil e eclético seja muito mais interessante, até mesmo quando se toca ao vivo, porque no palco você pode experimentar se assim desejar. Podemos estar tocando algo próximo do Heavy Metal e em poucos instantes o som pode cair para um Canto Gregoriano. Nos sentimos bem fazendo isto e é assim que as pessoas desejam ver a nossa banda.

Então por que resolveram regravar os antigos hits, como a música For Your Love, por exemplo?
Chris: A razão para isto é simples. Tiramos um longo período de férias, que foi entre 1967 até 2003 e assim sentimos que muitos clássicos dos Yardbirds ainda são relevantes para a música hoje em dia. Assim, decidimos reintroduzir nosso som ao século 21, não apenas para aqueles que nos seguem desde o início, mas também para aqueles que nos conheceram depois e os que poderão vir a gostar da banda daqui para frente. Foi então que quisemos dividir mais ou menos o álbum em metade de músicas novas e a outra com a regravação de nossos clássicos.

Quais foram as principais mudanças que vocês fizeram nas regravações dos clássicos em relação às versões originais?
Chris: Tudo está perfeitamente no lugar certo, mas o som está mais poderoso. Fomos honestos ao formato original e não me pareceu certo mudar drasticamente. Por exemplo, na participação do Slash, nós apenas aumentamos algumas partes para dar aquela alma Rock'n'Roll que é peculiar dele, e assim combinou com a música original e com o estilo do Slash. Esta foi nossa preocupação! Na For Your Love, nós chegamos a fazer algumas mudanças, mas foram poucas, pois queríamos manter sua integridade e trazê-la para os moldes do Rock atual.

Você citou a participação do Slash, mas como vocês entraram em contato com os outros convidados especiais, como Steve Vai, Brian May, Joe Satriani e Steve Lukather?
Chris: Na realidade entramos em contato com alguns e outros vieram atrás de nós quando souberam que o projeto estava sendo realizado. Por exemplo, com Brian May, nós o convidamos após um show que fizemos no Royal Albert Hall, em Londres, na turnê de 2001. Ele sempre foi nosso fã e sua música favorita dos Yardbirds era a Mr. You're a Better Man Than I. Assim, tudo foi se encaixando de forma perfeita e eu acredito que estaríamos até hoje gravando fosse pelas pessoas que se mostraram interessadas em participar. Só que tivemos um dia tivemos que parar (risos).

Como foi trabalhar novamente com Jeff Beck?
Chris: Com ele é sempre uma experiência natural para nós. Quando Jeff soube que estávamos fazendo a pré-produção do álbum, ele gentilmente nos convidou para irmos ao seu próprio estúdio e fazer todo o processo de pré-produção lá. Aí ele disse que queria participar em alguma faixa e acabou fazendo um ótimo trabalho em uma das músicas novas, a My Blind Life. Jeff é verdadeiramente um gênio na guitarra e obviamente todos sabem da grande importância que ele teve para o trabalho da banda na época em que esteve no Yardbirds. Trabalhar com ele novamente foi um prazer!

Sabemos da importância de Jeff Beck, mas o The Yardbirds teve em seu line-up mestres como Eric Clapton e Jimmy Page! Vocês chegaram a cogitar a participação destes guitarristas no Birdland?
Chris: Não, porque nunca tivemos a intenção de unir os guitarristas originais para refazer uma coisa que já tinham feito com tanta competência e daquela forma brilhante como fizeram na época. Seria uma coisa tão pequena fazer com que eles apenas regravassem suas partes que preferimos pegar outros músicos. Quisemos colocar músicos da nova geração para que eles expressassem suas técnicas e sua criatividade, resultando em algo único. É por isso que Jeff Beck toca em uma música nova e não refez nada que já tinha feito.

Como você vê o desenvolvimento da guitarra ao longo dos anos e das técnicas criadas por músicos como Ritchie Blackmore, Edward Van Halen, Yngwie Malmsteen, Steve Vai e Joe Satriani?
Chris: A guitarra é um instrumento que teve uma evolução impressionante, com músicos criando diversos estilos e desenvolvendo novas técnicas. Estes músicos que você citou são brilhantes! Os guitarristas que participaram em nosso álbum deram uma pequena amostra de sua capacidade e contribuíram muito para o resultado final de cada faixa que gravaram. O solo de Brian May é uma pura interpretação de seu estilo, mas combinou de forma perfeita com o estilo do The Yardbirds.

Falando sobre os guitarristas Jimmy Page e Jeff Beck, quando eles estavam na banda você trocou a guitarra base e foi para o baixo. Como foi esta transição para você?
Chris: Eu adoro tocar baixo e nunca fui um guitarrista solo, ainda mais se você levar em conta que a banda tinha estes dois exímios guitarristas! Gosto de estar envolvido com os arranjos e com a parte rítmica da música e por isso esta transição não foi nada problemática, ainda mais que quando tocávamos ao vivo o som era tão pesado que poderia ser chamado de Heavy Metal. A coisa mais interessante é que quando Jimmy Page entrou na banda ele ficou com o posto de baixista. Ironicamente, com a minha ida para o baixo, tendo dois virtuosos na guitarra não deu muito certo, porque Jeff Beck sentiu que seu espaço estava sendo, de certa forma, invadido. E mesmo com a excelente performance do single Happenings Ten Years Time Ago, que é uma mostra genial da genialidade destes dois guitarristas, aquele line-up não funcionou tão bem ao vivo.

Muitas bandas de Rock, Hard Rock e Heavy Metal citam o The Yardbirds como influência. Como você vê isto?
Chris: Eu fico honrado que nos tratem desta forma. Quando encerramos as atividades o tempo passou e nosso nome entrou na história, por termos quebrado as regras musicalmente. Fico lisonjeado quando descubro que algum músico começou a tocar depois que escutou um álbum do The Yardbirds. É brilhante! Por isso eu digo que hoje em dia é praticamente impossível ser totalmente original, basta reinterpretar o que já foi feito. Tivemos muita sorte de surgir naquela época, pois se começássemos hoje talvez iríamos copiar o estilo de outros.

Por que o The Yardbirds encerrou as atividades naquela época?
Chris: A banda permaneceu na ativa por cinco anos e você deve saber que todos os pioneiros estavam na música não pelo dinheiro ou por altos contratos. Os shows eram bem complicados, as turnês difíceis pela dificuldade da viagem e fazíamos talvez uns 500 shows por ano! Nós éramos jovens, mas estávamos totalmente esgotados! E, além disso, nós deixamos passar aquele período de descanso e também da tranqüilidade nos períodos de gravação dos álbuns. Não ficamos meses ou até um ano quando estávamos gravando nossos trabalhos. Isto levou a banda a dar um tempo no final dos anos 60.

Quando isto ocorreu você começou a se envolver com a fotografia. Como você se sentiu nesta área?
Chris: Eu sempre tive duas grandes paixões na vida, a música e a fotografia. Senti que as duas coisas eram totalmente compatíveis e mesmo quando ainda estava com a banda eu fazia fotos para revistas e meus trabalhos. Sempre me senti afortunado por isto.

Você sabia que o guitarrista alemão Wolf Hoffmann seguiu o mesmo caminho da fotografia quando o Accept se separou?
Chris: Não sabia, mas este ‘crossover’ no mundo das artes é bastante interessante. Muitos músicos trabalham com arte, fotografia, pintura ou como escritores e poetas. Estas formas de expressão, junto com a música, parecem caminhar bem juntas. E não se esqueça que eu venho da ‘British Art-School Experiment’ no início dos anos 60, assim como Pete Towshend. Por isso, não me surpreendo quando fico sabendo que determinado músico tem outra habilidade artística.

Como está a agenda de shows do The Yardbirds no momento? E quanto a receptividade do público?
Chris: No momento temos shows marcados apenas no Reino Unido. Nossa agenda para 2004 ainda não está fechada. Mas já passamos pela Alemanha, França, Itália, Espanha, Grécia e pretendemos continuar tocando este ano. Temos grande satisfação em tocar! A resposta vem sendo muito boa e eu estou tocado com tamanho carinho dos fãs. Esta foi uma das razões pela nossa volta. Estou gostando muito de estar na ativa não só porque estamos revendo nossos antigos fãs, os seguidores, mas também pela presença de uma nova geração nos shows. Em muitas ocasiões quase não nos deixam sair do palco e querem sempre ouvir mais e mais músicas. As pessoas que nos seguem desde os anos 60 também costumam me dizer que agora nossos shows estão melhores, porque o som dos PA’s é muito melhor. Antigamente eu sempre me senti como se fizesse parte de uma ‘guitar band’, porque nunca escutava o vocal nos shows (risos). Felizmente isto mudou!

E quanto a tocar no Brasil, existe a possibilidade?
Chris: Eu adoraria tocar no Brasil! É um território que ainda não fomos e seria muito bom para a banda. Além do público entusiasmado e fiel, vocês têm um café dos melhores. O que eu mais poderia querer? (risos). Vamos ver se algo acontece esse ano, porque a chance existe. Nós estamos dispostos a ir. Melhor seria se fôssemos no verão ou com sol (risos).

Entrevista publicada na edição #61 da revista ROADIE CREW (fevereiro de 2004)