O cenário nacional do Rock pesado era bem atrasado e para as bandas estrangeiras de Heavy Metal/Hard Rock o Brasil sequer existia no mapa. Após a vinda de nomes como Alice Cooper em 1974, Genesis em 1977, Queen em 1981 e Van Halen em janeiro de 1983, o primeiro megashow repleto de efeitos pirotécnicos que os brasileiros efetivamente iriam conferir seria justamente o do Kiss. Todos queriam ver de perto aquele circo. Seria uma aventura inesquecível e eu disparava meus argumentos todos os dias em casa. "Pai, sou fã do Kiss e vou no Morumbi toda semana com você nos jogos do São Paulo desde 1975! Portanto, estou acostumado a ir no estádio e show de Rock não tem briga de torcida". A resposta dele era simples: "Como você sabe se não tem perigo se nunca foi a um show em estádio?". Eu rebatia: "Você não lembra do Queen no Morumbi, que até você elogiou?". E ele respondia: "Elogiei o Queen e o Frank Sinatra quando tocaram em estádios, mas esse Kiss é diferente. Vamos ver...". A "batalha" para convencer o Dr. Batalha prosseguia...
As reportagens sensacionalistas antes da vinda do quarteto mascarado, que àquela altura contava com Paul Stanley, Vinnie Vincent, Eric Carr e Gene Simmons, só atrapalhavam. Fanáticos religiosos acusavam a banda de satanista, enquanto outros juravam que o Kiss "matava pintinhos" e sacrificava animais no palco. Isso sem contar nos comentários mirabolantes a respeito da língua de Gene Simmons e sobre a origem do nome do grupo. Todavia, para quem já era fã aquilo era ainda mais desafiador.
A declaração de Gene Simmons chamando a todos para ver "a banda mais barulhenta de Rock do mundo" e o desafio de "quem não gostar é porque está velho" caiu como uma luva para nosso pequeno grupo de fãs de Rock/Metal do colégio Liceu Pasteur, entre os quais Stélio Neto, Marcelo Trevisan e Alexandre Campedelli. Nos unimos para tentar um jeito de organizar uma pequena caravana rumo ao show. Posteriormente, meu primo João Claudio também se juntou a nós, enquanto Campedelli decidia se ia mesmo conosco. Porém, faltava "apenas" solucionar outro grande problema: como iríamos ao Morumbi? A solução foi dada pelo ex-funcionário do escritório do meu pai de apelido Totó, que disse que nos levaria ao show, assegurando aos pais e familiares daquela "caravana" que tomaria conta de todos. A única condição imposta pelo Totó foi proibir a ida do meu irmão Frederico, que estava com apenas dez anos de idade, pois ele temia algum problema com o juizado de menores e com a situação delicada de levar uma criança a um megaevento. Apesar de bem novo, meu irmão também tinha sua jaqueta de couro preta. Engraçado foi que o próprio Totó entrou na nossa e comprou a sua jaqueta de couro na mesma Casas Priba, segundo ele "para não ficar tão fora do contexto dos roqueiros". Stélio, por sua vez, adquiriu uma camiseta do Tygers Of Pan Tang não sei onde, mas aquilo era algo inimaginável para a época.
O fervor da estadia dos quatro mascarados no Brasil foi capaz de fazer o cenário nacional crescer. A partir daí vários espaços se abriram para a música pesada e os festivais de Rock se espalhavam por colégios, teatros e espaços cedidos pelas prefeituras. Dois anos após a passagem do Kiss, o festival "Rock In Rio" colocaria definitivamente o Brasil na rota dos grupos estrangeiros e seria outro marco da expansão da música pesada por aqui.
"Quem Kiss Teve" - Documentário, 1983.