quinta-feira, 29 de julho de 2010

Obrigado, Ratt!

Hoje em dia, quando penso que troquei cinco discos de vinil do AC/DC para pegar um do Dark Angel tenho consciência de que não fiz um bom negócio. Não que o Dark Angel seja ruim, especialmente porque ainda tenho o tal disco e também a versão em CD, mas sinto falta dos meus álbuns de bandas "normais", das clássicas, aqueles lançamentos que eu mesmo chamo de "babas". Porém, no auge do radicalismo e da descoberta das bandas mais extremas e "porrada", para mim não havia espaço para curtir som leve. Eram dez horas de Slayer por dia e algum tempo para outras como Celtic Frost, Voivod, Sodom, Venom, Bathory, Possessed e por aí vai.

Já comentei este assunto na "Coluna do Batalha" mas, como "Batalha Slayer", cheguei ao cúmulo de chamar várias bandas que hoje curto demais de "Falso Metal", algo que meu irmão, Frederico, certamente irá me zoar até meus últimos dias de vida. Discos com teclado, saxofone, metais e bateria eletrônica, eu descartava sem sequer ouvir – lia as informações da contracapa ou do encarte e não comprava. Eu sei, você também já ouviu a "máxima" mais imbecil do mundo: "Não ouvi e não gostei".

A vida seguia assim, mas toda vez que escutava riffs de um certo grupo norte-americano que fazia muito sucesso no Hard Rock, eu parava para prestar atenção. Mas não passava disso. Alguns outros amigos, bem menos radicais ou que nem chegaram a entrar a fundo no Thrash/Black/Death Metal, já curtiam aquela banda com entusiasmo. Sempre falavam a mesma coisa: "Batalha, não é possível que você não curte essas bases de guitarra!" Como andava em uma turma cheia de gente que estava esperando um "deslize" para fazer chacota na frente de todos, nunca dei o braço a torcer. Se alguém ficasse sabendo que você gravou, mesmo que no final de uma coletânea, uma música "fora do esquema", estaria perdido. Era um mês de chateação, no mínimo.

Então, certa vez, fui à casa de um outro amigo que ouvia Slayer como eu, o Marco Antonio, para gravar alguns vídeos de shows e videoclipes, outra prática bastante comum nos anos 80. Juntar dois vídeos para gravar era uma coisa que aproximava os fãs e, invariavelmente, criava amizades. Pois bem, estava lá gravando vídeos piratas ao vivo – um deles era aquele do Slayer na Holanda na fase "Show no Mercy" –, e então chegou um outro amigo que tocava guitarra, o Eduardo. O cara só falava na tal banda. Era Ratt pra cá, Ratt pra lá. E falava de um dos guitarristas, Warren DeMartini. E falava do vocalista, Stephen Pearcy...

Quando já estava ficando de saco cheio, falei para ele: "Tudo bem, meu. Coloca essa sua fita, vai." E então ouvimos os riffs iniciais da "You're In Love", faixa de abertura do álbum "Invasion Of Your Privacy". Mais uma vez eu pensei comigo: "Legal!" Também pudera, a trinca de abertura desse disco é fenomenal, seguindo com "Never Use Love" e "Lay It Down".

Só sei que de "legal" em "legal", acabei gravando aquela fita dias depois. Na semana seguinte, comprei o disco "Invasion Of Your Privacy" e nas seguintes os outros que tinham saído no mercado nacional. Quando me perguntavam se eu estava "curtindo poser", respondia: "Sim, mas só o Ratt." Até meu amigo Claudio Fortuna, que ouvia as mesmas bandas mais extremas, mas tinha uma cabeça mais aberta, se rendeu: "O que me irrita é que eles ficam com 'love' pra cá, 'love' pra lá, mas também gostei. É legal esse disco, pode gravar pra mim."

Como sempre uma coisa leva à outra, fui percebendo que estava achando legal demais e então comecei a recuperar o tempo perdido. Como também fora apresentado ao Dokken, a resposta àquela pergunta ia tendo bandas adicionadas a cada semana: "Sim, estou ouvindo Hard, mas só o Ratt e o Dokken." Pensa só na cara irônica do meu irmão, Frederico, tirando sarro diariamente, entrando no meu quarto e falando: "Hummm, curtindo rockinho falso Metal, é?"...

O Ratt não só abriu minha mente ao Hard Rock – o poser, o farofa, o hair metal – e às hoje chamadas 'hair bands', mas indiretamente me levou à redescoberta das bandas que eu havia "abandonado", como o Triumph (um crime!), por exemplo. E mais, me ajudou a aceitar o que antes era quase "proibido". Foi como sair da prisão.

Estava livre. Voltei a ouvir, curtir, ler e estudar sobre as grandes e as mais obscuras bandas dos anos 60 e 70 e "até" Pink Floyd, mesmo com muito teclado, piano e saxofone (!). Aceitei o The Doors, que antes odiava porque o teclado tinha som de "órgão de velho"... Assim, além de buscar outras novidades do Thrash e da música extrema – como o Coroner, que gravei dezenas de cópias da demo-tape "Death Cult" aos meus amigos –, fui descobrindo bandas e vibrando novamente com os sons outrora considerados "leves demais" por mim. Por outro lado, ninguém mais queria ouvir minhas coletâneas quando saíamos de carro ou viajávamos. Ficava todo mundo comentando: "Pô, Batalha, você é louco! Como consegue gravar Ratt, Sodom, Bad Company, Foghat, Kiss, Judas Priest, Thin Lizzy e Kreator na mesma fita?"...

Infelizmente, nunca cheguei a ter uma banda de Hard Rock, nem de Thrash Metal, mas embora o Cizania - então formado por Adalton Ribeiro (guitarra), Marcelo Fanin (baixo) e Eric Yañez (vocal) - tocasse composições próprias fincadas no Heavy Metal Tradicional, certa vez nos apresentamos no encerramento do festival de música da escola estadual Professor Alberto Levy, localizado na av. Indianópolis, local onde vota o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O festival era um outro grande ponto de encontro de amigos da região e onde se juntavam as turmas que andavam com as bandas Centúrias, Vírus e Cérbero. Pois bem, aquela foi a única vez que toquei Ratt na vida, pois nosso set list contava com a música "What You Give Is What You Get", faixa do álbum "Invasion Of Your Privacy". Sei que meus amigos Macarrão e Leão, e todo pessoal que andava com eles, vibraram durante a execução. Para todos foi uma grande surpresa, porque até hoje não é muito comum uma banda tocar cover do Ratt.

Você sabe (ou vai saber um dia), cada um tem o seu "Ratt" na trajetória musical, mas confesso que se não fosse por esta banda talvez eu não teria condições de trabalhar escrevendo sobre música. Por tudo isso, só posso dizer: OBRIGADO, RATT!

OK, agora só falta vir tocar no Brasil.

Post relacionado:
http://colunasleeversbatalha.blogspot.com/2008/12/basquetebol-e-metal-deathcore-zine.html


Fotos:
Discos: Reprodução
Banda: juancroucier.com

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Paulão Thomaz: 50 anos de Rock

"Tenho muito orgulho de ter ajudado a começar tudo isso. Naquela época (anos 80) era tudo mais inocente e amador. Hoje em dia, as bandas não se interessam em ajudar as outras, é cada um por si" - Paulão Thomaz

"Oi, você pode chamar o baterista do Centúrias, o Paulão, que vai tocar aí hoje?", perguntei à recepcionista do Teatro Mambembe. "Quem quer falar?", seguiu a atendente. "Aqui é o Ricardo Batalha, que vai fazer a filmagem do show". Quando falei para ela esta última frase eu não tinha a menor ideia se iria ou não filmar aquele show. Já havia filmado um da banda A Chave do Sol no Teatro TBC no final de 1986 e, apesar de ter visto várias apresentações do Centúrias, não era amigo pessoal de nenhum integrante da banda. "Oi, quem fala?", indagou Paulão. "Que filmagem é essa?", prosseguiu. Expliquei a situação e ele respondeu com grande entusiasmo: "Claro que pode vir aqui filmar nosso show! Vou colocar seu nome na porta, mas chegue um pouco mais cedo, senão já viu... Até mais." É, Paulão já sabia que a entrada no Teatro Mambembe não era fácil, coisa que só fiquei sabendo depois desta estreia.

Ao me ver pronto para sair com o visual headbanger anos 80 em plena segunda-feira, minha mãe logo falou com aquela cara de espanto: "Mas hoje é segunda-feira, o que você vai fazer com esta câmera?!" Respondi que ia filmar um show importante, pedi o carro emprestado e esperei. "Tudo bem. Pode ir, mas cuidado", disse minha mãe. Comi alguma coisa, peguei o carro e rumei à rua do Paraíso, onde ficava o Teatro Mambembe. Confesso que aquela ladeira não era das mais fáceis para um "carta nova" de 18 anos de idade fazer uma "baliza galã" usando o freio de mão direitinho. Bem, aquilo era o de menos. Afinal, eu ia registrar um show do Centúrias em vídeo!

Ao chegar na porta do Mambembe, aquele meu "velho amigo" metido (já citado algumas vezes aqui neste Blog) mostrou o poder de sua empáfia pela primeira vez. "Cara, seu nome não está na lista. Não sei de filmagem nenhuma. Espera aí do lado". Algum tempo depois, ele veio e falou: "Ninguém está sabendo disso, meu. Com quem você falou?". Respondi que tinha combinado tudo com o Paulão. De repente, o cara mudou. "Ah, com o Paulão?! Espera aí então que eu vou ver com ele." Bastaram poucos minutos para ter minha entrada autorizada.

Fui então ao encontro do Paulão, que me recebeu bem e me apresentou a todos os músicos, roadies e técnicos de som e luz que estavam lá. Contei para eles que tinha visto alguns shows da banda com a formação anterior, da fase "Última Noite". Aí, Paulão perguntou: "Mas por que você escolheu filmar o Centúrias?". Ele ouviu a resposta mais óbvia de todas: "Porque eu gosto!" Todos riram.

Fiz a filmagem do show, peguei o contato do Paulão e disse que entraria em contato para dar a cópia da fita (VHS). Saí do Mambembe e tive uma surpresa nada agradável, pois haviam quebrado o vidro e levado o toca-fitas do carro. E aí, como explicar para seus pais que ir a um evento de Heavy Metal numa segunda-feira em São Paulo era tranquilo. Será que tudo aquilo que eu apregoava em casa seria entendido depois disso? Por sorte, meus pais entenderam.

Dias depois, Paulão chegou em casa de bicicleta. Meu irmão Frederico, incrédulo, falou: "É o Paulo Thomaz do Centúrias que tocou a campainha?" Respondi que sim e fui lá falar com ele. Entreguei-lhe a fita e desde então Paulão se tornou um amigo.

Aí, fui convidado para sua festa de 30 anos, realizada no Black Jack Bar. Lembro-me como se fosse hoje de todos detonando o bolo de chocolate e de ter comentado com vários amigos que, assim como eu, tinham 21 anos de idade em média: "O Paulão está fazendo 30 anos! Ele é muito mais velho, mas nem parece". Todos concordaram e seguiram mandando ver na cerveja, na caipirinha e no alexander, no caso do Fanin. Tudo bem, o Fanin vai dizer que não lembra, mas ele tomava isso.

Os anos passaram e Paulão se tornou um irmão mais velho. Quem sabe o real significado de "brother of Metal", entende. Cheguei a ir em várias festas e encontros "etílicos-metallicus" que ele organizava em sua casa/estúdio, além de fazer várias matérias sobre suas bandas para a revista. Numa destas, ele chegou a comentar e rir: "Pô, Batalha, você vai tão a fundo que colocou até a data do meu nascimento. Agora ferrou, todo mundo vai saber quantos anos eu tenho de verdade", divertiu-se.

Já que todo mundo sabe, no último dia 22 de julho, Paulão Thomaz completou 50 anos de idade e comemorou a data com festa no Blackmore Rock Bar, em São Paulo. O bolo, mais uma vez, estava fenomenal. E olha que quem me conhece sabe que raramente eu como doces, mas bolo da festa do Paulão é tradição. Bolo sim, mas caipirinha de balde nunca mais!

Reencontrar velhos amigos e relembrar histórias de tempos que não voltam mais é uma das minhas coisas preferidas. Porém, naquela ocasião, eu, o Fanin, os outros amigos fãs de Metal e músicos que tocaram ou tocam com Paulão, estavam lá para se divertir e, principalmente, reverenciar uma figura ímpar do Rock brasileiro. A legião de amigos e fãs que foram prestigiar o evento viram shows do Lynyrd Skynyrd Tribute, Grand Funk Railroad Cover (Banda Máquina 70) e George Thorogood Tribute (Banda Garbage Truck). Paulão, obviamente, tocou. Desta vez, foram os grandes clássicos do Lynyrd Skynyrd, executados com a mesma pegada e garra que demonstra desde o começo de sua carreira com o Centúrias. Por sinal, o vocalista Cachorrão me mostrou em primeira mão nesse dia a música inédita que gravaram para o documentário "Brasil Heavy Metal". Quem curte o disco "Ninja", pode ter certeza que também vai adorar.

Imagine quantas mudanças e novas tendências Paulão Thomaz vivenciou desde quando começou a curtir Heavy Metal ouvindo os primeiros discos do Black Sabbath. Ele até tem seus momentos 'deprê', em que acha que tudo está errado, mas sua disposição é maior que a de um novato. Passam-se os anos mas suas atitudes, o ânimo e a garra em tocar Rock permanecem intactos. Aquele garoto que, em 1975, ficou deslumbrado ao ver um show da Patrulha do Espaço demonstra a mesma alegria e até mesmo uma ponta de ingenuidade que todos nós perdemos com o passar dos anos.

O jeito vibrante de Paulão é notado tanto quando ele fala do primeiro disco que comprou na vida – uma coletânea do Slade chamada Sladest –, como quando conta sobre as gravações recém finalizadas para o quarto álbum do Baranga, grupo que ajudou a criar em fevereiro de 2000. Além disso, sente o mesmo orgulho em usar camisetas com estampas de bandas que curte, colete de couro, jaqueta com patches e pins, como quando comprou a sua primeira camiseta – "uma do Jimmy Page – na Stoned Shirts, famosa loja de camisetas da rua Augusta nos anos 70. Assim é o senhor Paulo Thomaz Soeiro Rodrigues Alves. Portanto, se você encontrá-lo agitando na frente do palco em um show cover do AC/DC ou do Carro Bomba, saiba que é um entusiasmo real. E ele vai lhe falar, com uma garrafa de cerveja na mão: "Isso sim é Rock'n'Roll!"

Fotos de Arquivo do site www.centurias.com.br

domingo, 25 de julho de 2010

"Esses Voivod"

Em mais um domingo de sol no Parque da Aclimação, aquela edição da "Praça do Rock" prometia. Afinal, estariam no mesmo palco bandas como Centúrias e Abutre. Antes dos shows, enquanto os mais novos curtiam a discotecagem cheia de novidades, os da velha guarda não viam as mudanças no Heavy Metal com grande entusiasmo. "Agora todo mundo só quer saber desses 'Voivod'. Não entendo. Pô, vou falar com o Dalam. Eles bem que poderiam rolar um Aerosmith, um UFO ou um Kiss", dizia João Carlos.

O funcionário do escritório de advocacia de meu falecido pai não conseguiu achar Dalam Junior, mas seguiu com seu inconformismo. "A Woodstock já está começando a divulgar demais essas bandas aí. Rica, desse jeito a moçada vai esquecer de quem surgiu antes. Eu não te mostrei Voivod, mas UFO, Aerosmith, Kiss, Judas Priest, Scorpions, Iron Maiden, né?", perguntava Joãozinho, um grande incentivador para me colocar nesse mundo da música pesada e que também era chamado por outros de Sujeirinha ou Johnny Dillinger.

Ao lado de Celso Barbieri, que apresentava os eventos, Dalam Junior (baixista do Mercúrio) foi idealizador e um dos responsáveis pela realização dos eventos na concha acústica do Parque da Aclimação, que tinha apoio do Jornal do Cambuci. Tenho grande respeito e admiração por eles pela perseverança em transformar aquele espaço em um grande ponto de encontro de rockeiros. Basta você imaginar que, no último domingo de cada mês, bastava ir ao Parque da Aclimação para estar rodeado de grandes árvores e todo o verde do local, tendo atrás um belo lago e à sua frente um palco com sistema de som potente, com as melhores bandas de Rock/Metal da época tocando. Ah, sim, sem pagar um centavo.

João Carlos "Sujeirinha" não se conformava, mas eu tentava argumentar: "João, eu gosto dessas bandas novas. Não sei explicar direito, mas elas são bem mais agressivas e eu acho isso legal!". Ele ficava cada vez mais impaciente: "Vou falar com o Orlando para ver se ele muda esse cara do som! Ou mudam ou nunca mais vou chegar cedo aqui!", falava o sempre calmo e bem humorado João Carlos no alto de seu momento de irritabilidade.

Joãozinho saiu do local onde estávamos e demorou para voltar, já que estava procurando Orlando Lui Jr., o já falecido baixista que passou pelas bandas Gozo Metal e Rock da Mortalha e que tinha grande influência entre os organizadores da Praça do Rock. "O Abutre bem que podia começar o show logo para a moçada ouvir som legal e parar com esses 'Voivod'!", seguia o excepcionalmente irritado Joãozinho.

Os shows do Abutre e Centúrias foram excelentes, mas aquele não era mesmo o dia de Joãozinho, pois bastou o Abutre entrar no palco para ele disparar: "Tá vendo? São os 'Voivod' no som e agora os Abutre me aparecem com lencinhos no braço?! Mas o que está acontecendo?!", indignava-se. Como não sentia absolutamente nada em relação àquilo, curti cada momento daquela bela tarde de domingo. Joãozinho, por sua vez, saiu antes do final dos shows.

Na semana seguinte, após passar pela Woodstock Discos, resolvi ir à Galeria do Rock. Joãozinho falou tanto, mas tanto, que resolvi comprar uma fita cassete com a gravação do disco "War And Pain" (1984) do Voivod – algo muito comum naquela época em que os discos importados eram caríssimos e difíceis de se encontrar por aqui. Comprei, gostei e me tornei fã. Porém, mal sabia eu que, muitos anos depois, viveria o papel de João Carlos. Eu sei bem o que ele sentiu e passou naquele domingo. Depois eu conto...


Fotos: Reprodução / Foto Dalam Jr.: Arquivo Brasil Heavy Metal