quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Arquivo Entrevista: TORE ØSTBY (ARK, Conception)

Após deixar a banda norueguesa Conception, o guitarrista Tore Østby se juntou ao baterista John Macaluso (ex-TNT e Yngwie Malmsteen) e formou o ARK. Os dois encontraram em Jorn Lande (Millenium, Yngwie Malmsteen, Jorn), na época ‘frontman’ do The Snakes, o vocalista ideal. O primeiro álbum, "ARK" (1999), obteve grande repercussão na Europa, mas como a distribuição foi fraca a banda não estourou. Já com o line-up estável, com a presença do baixista Randy Coven (ex-Holy Mother, Steve Vai, Steve Morse) e o tecladista Matts Olausson (ex-Yngwie Malmsteen), o ARK obteve o reconhecimento com o lançamento de "Burn The Sun" (2001). Lançado no meio do ano passado na Europa e Ásia, e em janeiro deste ano nos EUA e Austrália, este trabalho marcou uma nova era para o ARK, que daqui para frente só tende a crescer.

Vocês realizaram um grande trabalho no CD "Burn The Sun". Onde foram buscar inspiração para compor este tipo original de música? Podemos chamar isto de o "estilo ARK"?
Tore Østby: Muito obrigado por seus comentários! Nos inspiramos em tudo que somos expostos e no que tem sentido para nós. Os elementos básicos para se criar música são as emoções e as experiências pessoais. Deixamos nossa criatividade nos guiar e deixamos a música fluir de dentro de nossos diferentes sentimentos e situações. Quando compomos, normalmente começamos com as guitarras e a bateria. John e eu nos reunimos para ensaiar, fazer ‘jams’ e em algumas ocasiões Jorn também se une a nós, mas nestas reuniões ninguém sabe o que pode acontecer. Deixamos a música nos levar. Às vezes tocamos durantes horas, sem nenhuma pausa. Sempre gravamos tudo e após alguns dias fazendo essas sessões paramos para ouvir e selecionar o material que foi gravado. Depois disso montamos as estruturas das músicas com o material que mais nos chamou a atenção. Por isso, nossa estrutura de composição é totalmente espontânea, o que vai de acordo com o que disse, ou seja, a música flui com naturalidade. Depois disso Jorn cria as linhas de voz, e Randy e Mats colocam suas particularidades nas músicas como se estivessem gravando o álbum. Acredito que você possa chamar isso de “o estilo ARK”, porque nós não pertencemos somente a um estilo específico. Tentamos ser o mais original  possível e chamamos isso de ‘ARK-music’.

Quem teve aquela idéia de inserir um barulho de uma moeda caindo no chão na música "Heal The Waters"? E quanto aos riffs de guitarra e aquele duelo de guitarra e teclado no solo?
Tore: A idéia do barulho de uma moeda girando veio de nosso produtor, Tommy Newton. Como o tópico da letra é completamente anti-capitalista achamos que combinaria, ainda mais na parte em que foi usado. O refrão que vem na seqüência do efeito da moeda dá uma atmosfera especial e é uma subida forte para o fim da música. Os riffs de guitarra são baseados em uma mistura de harmonias orientais e ocidentais, feita com energia, potência e intensidade. A respeito do solo, quando Mats entrou no estúdio para gravar a sua parte ele não tinha escutado sequer um acorde desta música. Ele somente teve contato com nosso primeiro álbum e isto foi proposital, porque queríamos que ele fosse o mais espontâneo possível. A idéia era dividir os solos, mas Mats começou a improvisar. Na segunda vez que tocamos a mágica aconteceu. Achei o ‘take’ dele brilhante e conclui que seria até vergonhoso dividi-lo em partes. Mantivemos o solo dele inteiro e depois eu adicionei uma segunda harmonia em cima do que ele tinha gravado.

O baixo fretless na faixa "Torn" passa uma vibração que remete ao Rush, concorda?
Tore: Sim, você pode levar para esse lado. Eu tive a mesma sensação quando estávamos em estúdio. Randy surpreendeu a todos de forma positiva com sua extraordinária habilidade no ‘fretless’, o que deu um brilho todo especial ao nosso som.

Ainda sobre essa faixa, Jorn Lande faz uma espécie de efeito nos falantes com um jogo de palavras completamente maluco no meio da música. Aquilo também surgiu espontaneamente? Vocês são loucos?
Tore: Jorn está cantando em seu ritual nativo particular. Se somos loucos? Sim, certamente. Eu nunca estive junto com um grupo de pessoas tão loucas como agora. Adoro isso, pois além desta loucura girar em torno da criatividade, é muito divertido!

A faixa-título, "Burn The Sun", tem uma linha mais Hard Rock, especialmente no refrão. É comum vocês incorporarem elementos do Hard no "estilo ARK", considerando que o guitarrista Ronni Le Tekro (TNT) é uma grande inspiração para você, assim como o vocalista David Coverdale é para Jorn Lande?
Tore: Todos nós temos fortes raízes no Hard Rock. Tekro foi provavelmente a razão para que eu começasse a tocar guitarra, mas nós não pensamos em fazer algo parecido com alguém ou alguma outra banda. Quando compomos nós simplesmente seguimos nossos instintos.

Já que você disse isso, poderia me falar de onde surgiu a idéia da música "Just A Little"? Ela conta com elementos mais Pop, que lembram o trabalho do Seal, além de um ‘groove’ vindo da música latina, que é uma coisa que você costuma fazer uso desde os tempos do Conception.
Tore: Sempre gostei muito do som das cordas de náilon. Os estilos de música latina para mim sempre foram coisas ardentes, que me transmitem uma grande paixão e fogo. Também é um estilo que combina muito bem com o Rock, por causa de sua intensidade.

Você vem trabalhando com o produtor Tommy Newton desde a época do Conception. O que ele sentiu quando ouviu as músicas do "Burn The Sun" pela primeira vez? Ele sugeriu muita coisa para incrementá-las?
Tore: Sempre gostei de trabalhar com Tommy. Sua principal preocupação é com o modo e a energia com que você executa as músicas, o que acredito seja fundamental na hora da gravação, não tem essa de fazer pequenas emendas. Ele é um engenheiro de som incrível, muito criativo e tem uma grande paixão no que está fazendo. Ele sempre foi como um integrante da banda durante as gravações. Quando finalizamos a base das composições para o álbum, John e eu fomos para a França para comemorar com um curto período de descanso. Neste período de férias, passando pela Alemanha, nós paramos lá para encontrar Tommy e fazer algumas baladas por lá. Nesta estadia apresentamos algumas músicas e ele simplesmente não acreditou. Instantaneamente ele veio com várias idéias e falou como ia fazer a produção do álbum. Depois que ouvirmos o que ele tinha para nos dizer, concluímos que ele havia compreendido nossa proposta. Nós mantivemos os arranjos da maneira que foram criados mas, sem dúvida, Tommy contribuiu muito para o resultado final. Ter a contribuição de uma pessoa como ele é sempre um prazer!

Falando a respeito das letras, parece que vocês gostam de escrever sobre o espaço, a natureza e o universo, não?
Tore: As letras são um espelho de nossas vidas, personalidades, ideais e como nos refletimos a respeito do que está ao nosso redor. As letras são um equilíbrio e um distúrbio do que está dentro e fora de nossas vidas. E tudo isso também está conectado fisicamente com os meios. Natureza, corpo, universo. As histórias estão sendo ditas de dentro de nós. Nós falamos muito sobre estes assuntos diferentes, além da emoção particular do núcleo de cada música. Então Jorn e John ordenam todas as idéias. A maioria delas foi escrita e gravada na Alemanha e isto, mais uma vez, vem de encontro com o objetivo principal de nosso processo criativo, que é a espontaneidade. Posso citar como exemplo, a "Waking Hour", que teve a letra escrita e os vocais gravados justamente no dia em que os Palestinos declararam o "Dia da Ira" (N.R.: Declarado pelo grupo islâmico radical Hamas em protesto contra a ação do Exército israelense no dia 6 de outubro de 2000). Estas notícias abalaram a nossa atmosfera no estúdio e Jorn cantou com muita emoção, um sentimento que vinha de encontro com toda aquela situação do momento.

Sei que a distribuição do primeiro álbum não foi muito boa, mas como foi a receptividade do público e da mídia?
Tore: Nosso primeiro contrato de licenciamento na Europa foi algo bem estranho e tivemos que rescindi-lo, mas agora o álbum está sendo distribuído pela InsideOut. Entretanto, foi lançado na Ásia, Estados Unidos, Noruega e França por outras empresas bem mais fortes em termos de representatividade e que tornaram as coisas melhores. A “bola” começou a rolar!

Por que vocês relançaram o primeiro álbum com outra capa? Foi algum tipo de exigência da InsideOut?
Tore: Sim, e achamos que foi uma grande jogada, ainda mais porque gostei muito da nova arte da capa.

Ainda sobre os contratos de distribuição dos CDs, os álbuns são lançados na Europa pela InsideOut e na América e Austrália pela Favored Nations ou ainda existe uma outra gravadora?
Tore: Acredito que somente a América do Sul seja o território onde nossos álbuns ainda não foram lançados, mas as negociações estão a caminho. Por isso, a pessoa que estiver interessada aí no Brasil só poderá conseguir comprando a versão importada, através de diversas lojas virtuais. Além disso, existe uma série de varejistas na Internet que está vendendo nosso material. Gostaria de deixar bem claro que gostamos de trabalhar com total liberdade e por isso nós fundamos nossa própria companhia, a Trust Me Records, que licencia os álbuns para a Favored Nations (EUA e AUS), FaceFront (NOR), NTS (FRA), InsideOut (resto da Europa) e Marquee/Avalon (JAP e Ásia). O primeiro álbum saiu nos EUA pela Laser’s Edge. Acho que agora deu para ficar tudo claro (risos).

Como está o trabalho com o novo empresário, Paul Ewing? Ele está conseguindo abrir as portas para a banda ao redor do mundo?
Tore: Está sendo fantástico tê-lo em nosso time! Quando estávamos cuidando dessa parte empresarial, sempre ficávamos atolados de trabalho à medida que as demandas aumentavam. Queremos ficar ocupados somente com a arte, não com os negócios. Então, está sendo um refresco ter uma pessoa que cuide dessa parte para a gente, ainda mais um empresário como ele. Paul é um veterano nessa área, foi vice-presidente da Warner Music asiática por 18 anos. Ele sabe muita coisa da indústria musical e tem contatos em todas as partes do mundo. Estou certo de que ele abrirá muitas portas para a banda.

Atualmente você está morando na França. Como foi sair da Noruega?
Tore: A França é o país da Europa com mais ligação com o mundo das artes. Existe muita inspiração que posso buscar nessa cultura tão rica! O clima também é bem diferente do Norte da Europa e eles ainda tem uma comida incrível, bem como, um vinho fenomenal. Além disso, acho muito bem ir para diferentes lugares e fugir da mesmice. Eu ainda por cima encontrei minha adorável companheira nesse país...

Como foi o show no "Prog Power Festival", nos EUA? Você teve contato com Roy Khan, já que o Kamelot também tocou lá?
Tore: Aquilo foi muito engraçado para mim. Estar no palco com Roy do meu lado direito era comum para mim, mas esta foi a primeira vez na vida que eu vi sua performance de palco do lado de fora. Foi uma situação estranha. Roy é um dos meus melhores amigos e nos chegamos a morar juntos por dois anos antes de eu me mudar para a França recentemente. Quer saber mais? Nós estamos nos vendo muito mais agora do que na época em que fazíamos as turnês com o Conception. Há cerca de um mês eu fui a um show do Kamelot em Montpellier (FRA). Foi matador!

Você ainda tem intenção de fazer um projeto paralelo com Roy Khan? Qual a sua opinião sobre o Kamelot com ele nos vocais?
Tore: Na realidade nós já temos muito material composto para este projeto. Faz dois anos que trabalhamos em cima disso nas horas vagas. Quanto ao Kamelot, acredito que a banda deu um passo gigantesco quando Roy assumiu o microfone. Ele também é um grande compositor e moldou a banda da forma exata e coesa com esse som mais épico. Está sendo muito legal testemunhar a evolução da banda e ver Roy nessa posição de destaque. Este show em Motpellier foi realmente forte, com Roy totalmente a vontade no palco. Ele está com uma performance realmente matadora, assim como a banda.

Falando em Conception, você ainda tem contato com o baterista Arve Heimdal e o baixista Ingar Amlien?
Tore: Lógico, estamos sempre em contato. Nós sempre fomos e seremos grandes amigos. Ingar está trabalhando com sua nova banda, Crest Of Darkness. Acho muito interessante que três ex-músicos do Conception estão se estabiliazndo com suas novas bandas. Estivemos juntos por muito tempo, dividindo várias experiências e sempre seremos como uma família!

Você compôs quase todas as músicas do Conception. O que você sente quando ouve músicas como "Building A Force", "My Decision", "Under A Mourning Star", "Gethsemane", "Flow" e "Reach Out", que são muito diferentes do estilo do ARK?
Tore: Elas são diferentes mas, ao mesmo tempo, têm alguma semelhança com o ARK. Eu comecei a ouvir o Flow novamente e adorei este álbum! É muito raro eu ouvir os trabalhos que eu mesmo participei, mas redescobri este álbum e ele me cativou. É óbvio que a energia é diferente, os músicos são outros, mas eu gosto muito das duas bandas. É claro que eu tenho grandes lembranças quando ouço Conception.

Vocês gravaram um vídeo (VHS) do Conception na turnê do "Parallel Minds" num show de abertura para o Gamma Ray na Alemanha. Como foi a resposta dos fãs ao "Parallel Minds"? Acredito que a música mais saudada foi a "Roll The Fire", não?
Tore: Este foi o álbum que nos colocou em contato com todos os fãs de Metal ao redor do mundo. Foi uma época muito legal! Éramos bem jovens, inexperientes e totalmente empolgados. Um dia estávamos numa sala de um estúdio na Noruega e, de repente, nos vimos na estrada, viajando para tocar. Aquilo era a realização de nosso sonho, levar o nosso som para as pessoas! A música "Roll The Fire" se tornou mesmo bem popular em todos os clubes da Europa e acredito que tenha ido bem em todos os países. Aliás, a resposta dos fãs foi enorme, além das nossas expectativas!

Ainda sobre a "Roll The Fire", como foi trabalhar com Andreas Marschall, que produziu o videoclipe desta música?
Tore: Passamos muito frio. Era um dia típico de outubro e parecia que estávamos dentro de uma geleira no Norte da Alemanha. Andreas foi muito legal, ele ainda está produzindo vídeos?

Acredito que sim. Ainda sobre o Conception, é verdade que a banda acabou por causa das vendas do álbum "Flow"? Considero o "Flow" um grande álbum, mas ele foi incompreendido pelos fãs e a imprensa mundial, se comparado ao "Parallel Minds" ou ao "In Your Multitude".
Tore: Não foi esta a razão de nossa separação. Naquela época já estávamos juntos havia mais de dez anos e todos estavam ávidos por novas experiências. Comecei a trabalhar com John e gravamos a base do que seria o primeiro álbum do ARK em 1995. Eu estava pronto para iniciar o ARK, Ingar queria fazer algo na linha do Black Metal extremo, Arve juntou-se a uma banda de Hard Rock/Blues e Roy encontrou sangue novo no Kamelot. Ou seria o ‘Youngblood’ no Kamelot (risos). Aquele foi o momento ideal para que ocorresse a nossa separação e seguir caminhos diferentes.

No pôster promocional do "Flow" está escrita a frase; “Direto ao futuro”, mas eu acredito que o futuro seja mesmo o som que o ARK está fazendo. Você concorda que o ARK está longe dos modismos e não tem um estilo definido?
Tore: Não posso dizer que estamos ignorando modas e um estilo, porque sempre observamos tudo que está ao nosso redor, mas nós não fazemos um exame do que está ou não na moda quando estamos criando. A gente não liga para isso, nós fazemos música que soa do jeito que gostamos, sem querer saber se estamos sendo inspirados por um hit atual ou por alguma coisa do passado. O ARK é livre!

O vocalista Jorn Lande se juntou ao Masterplan, que conta com os ex-Helloween, Roland Grapow e Uli Kusch). Você acredita que isso possa atrapalhar o trabalho do ARK?
Tore: Não. Jorn nos explicou tudo de forma clara e disse que só gravaria o álbum com eles se as coisas não interferissem no trabalho do ARK e assim nós demos permissão. Todos nós estamos envolvidos com outros músicos em diferentes projetos. Vou falar de novo: o ARK significa liberdade (risos)!

Vocês irão começar a gravar o novo álbum do ARK em maio. Já existe alguma música pronta? Vocês irão manter o mesmo estilo do "Burn The Sun"?
Tore: John está vindo para a França e em breve iremos começar a compor as músicas para o novo álbum. Eu deverei me encontrar com Jorn na Noruega antes disso. Então, eu e Jorn iremos para Nova York nos encontrar com John. Esté será o método que faremos as novas composições. Acredito que entraremos em estúdio no começo do nosso verão. Estilo? Depende de como vai estar nossa disposição no momento (risos). Bem, é muito cedo para falar alguma coisa. Temos muitas novas idéias rolando mas, me desculpe, isso nem eu sei!

Você se apresentou no Brasil com o DC Cooper. Quais foram suas impressões sobre o país? Existe alguma possibilidade de realizar um show do ARK por aqui?
Tore: Foi uma experiência muito legal! Passei grandes momentos durante a semana que estive no Brasil! Os fãs são muito passionais e têm muita energia! Me encontrei com pessoas fantásticas, e me tornei um torcedor fanático pelo Corinthians! Os brasileiros parecem ser bem compenetrados a apaixonados no que estão fazendo e esta é uma grande qualidade! Eu poderia morrer por uma nova chance de me apresentar no Brasil. O mais cedo que o ARK chegar às mãos dos fãs no Brasil, melhor!

Você pretende incorporar alguns elementos e ritmos brasileiros ao som do ARK?
Tore: Tenho quase certeza que sim, já tenho muitas inspirações. Gosto muito da tensão e excitação na música e eu realmente gostaria de ir a fundo na cultura musical do Brasil. Gosto muito dessas batidas tribais!

Pelos lados do Metal, você gosta de alguma banda do Brasil?
Tore: O Sepultura gravou grandes álbuns e eu aprecio muito a maneira como eles incorporaram esses elementos da música folclórica brasileira ao som pesado, com seus riffs “colossais”. Não sou tão familiarizado com o som da banda depois da saída do Max. O Angra é outra grande banda de Metal progressivo do Brasil.

Entrevista publicada na edição #39 da revista ROADIE CREW (abril de 2002)

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Arquivo Entrevista: LIV KRISTINE (Theatre Of Tragedy)

A vocalista norueguesa Liv Kristine Espenaes, 26 anos de idade, ficou mundialmente famosa com a banda Theatre Of Tragedy, que ajudou a fundar quando estava completando 18 anos. Formada atualmente por Liv, Raymond I. Rohonniy (vocal), Hein Frode Hansen (bateria), Lorentz Aspen (teclado), Frank Claussen e Vegard K. Thorsen (guitarras), a banda assustou os antigos fãs com seus dois últimos trabalhos de estúdio, Musique (2000) e Assembly (2002), onde a sonoridade adotada segue uma linha bem mais Pop e ainda conta com vários elementos eletrônicos vindos da Dance Music. Apesar da mudança ter causado espanto, Liv conseguiu manter a classe e criou um novo estilo de cantar. Sua iniciação na música começou antes mesmo que começasse a falar e com uma técnica apurada e uma voz angelical, teve seu auge com o lançamento do álbum Aégis (1998), tornando-se referência para as vocalistas das bandas de Metal Gótico, estilo que vem sendo muito bem aceito na Europa e também no Brasil.

Qual a razão principal de toda essa mudança no seu estilo de cantar, principalmente no novo álbum, Assembly?
Liv Kristine Espenaes: Na verdade eu não planejei nada antes de entrar no estúdio para gravar. Como demoramos muito para gravar os Demo-Tapes, não tive nem como preparar as coisas com antecedência. Quando recebi as fitas, obviamente percebi que a música do Theatre Of Tragedy tinha mudado e achei que seria o momento ideal para eu também fizesse algo diferente. Quando fui gravar, o produtor Hilli Hilesma me ajudou muito no desenvolvimento deste novo estilo de cantar. Ele sempre me incentiva e nunca descartava as possibilidades. Eu cantava alguma coisa e ele logo dizia: “Vamos tentar uma tonalidade mais baixa”. Foi o que fiz e soou legal. Terminei minha parte em três dias e estou contente com o que fiz. Depois de 20 anos de um soprano angelical era tempo de mudar.

Vinte anos! Quando você começou a cantar?
Liv: Meus pais sempre me disseram que eu comecei a cantar antes mesmo de aprender a falar (risos). Quando estava com apenas 5 anos de idade já me interessava muito em música e costumava ouvir bandas como Black Sabbath, Led Zeppelin e Abba. Já por volta dos 8 ou 9 anos eu comecei a criar minhas próprias músicas e minha primeira banda foi aos 12 anos. Esta banda foi formada com uma amiga de classe da escola. Depois continuei e não parei mais, pois com 18 anos formamos o Theatre Of Tragedy. Á exceção do amor, a música é a coisa mais importante da minha vida.

Você gosta de outras bandas com vocais femininos?
Liv: Sim, gosto muito do Nighwish e aprecio muito o estilo de Tarja. Ela canta muito, é fantástica. A vocalista do Tristania também tem muito talento. Existem outras bandas no meio Gótico que contam com vocalistas mulheres que não são tão talentosas. Pessoalmente gosto muito da Madonna, acho que carrego isso desde os cinco anos (risos).

Como o estilo da banda atualmente está mesclando o Rock Gótico eletrônico com um Pop dançante, você tem intenção de seguir sua carreira seguindo a linha de artistas como Madonna ou Björk?
Liv: Essa é uma boa pergunta, nunca tinham me perguntado isso. Nunca pensei nisso. Sempre que vou gravar ou fazer um show, penso no meu trabalho naquele instante. Nunca sei o que vai acontecer no futuro e nem me inspiro em ninguém, faço o que meu coração e minha alma mandam. Madonna e Björk são famosas, mas espero que tudo saia bem para a banda toda. Só assim eu poderei ser considerada uma superstar.

Ainda sobre mulheres, você gosta do estilo de Kate Bush, Enya e Loreena McKennitt?
Liv: Gosto muito. Na semana passada eu comprei um Best Of da Kate Bush. Na verdade essa foi a segunda vez que comprei esse CD. Eu escutei tantas vezes, mas tantas vezes, que estragou e eu tive que comprar outro. Acho que isso responde sua pergunta com relação a Kate Bush (risos). O estilo celta de Loreena McKennitt é algo fenomenal e especial para mim. Quando eu a ouço, sinto muitas e diferentes emoções, pois esse tipo de música tem ligação com a natureza e diferentes culturas.

Como você analisaria esta drástica mudança no estilo da banda dos trabalhos anterior, incluindo o Aégis, para o Assembly?
Liv: É difícil definir isso. Para mim o Aégis é um Gothic Metal melódico com vocais femininos. O Musique e o Assembly são bem mais difíceis de definir com exatidão. Para falar a verdade nos colocamos o nome do álbum de Musique porque não conseguimos definir como estava o estilo da banda naquela época. E isso também aconteceu com Assembly, que teve este título porque é como se fosse uma união de vários elementos, do Pop, Rock, Gótico, Metal, Dance e Clássico.

Mas algumas músicas do Assembly poderiam ser tocadas em danceterias, concorda?
Liv: Não me importo nem um pouco que tipo de pessoa está ouvindo nosso álbum e nem onde ele pode ser tocado ou apresentado para o público. Se uma pessoa conseguir ou for dançar uma de nossas músicas ficarei contente. Música foi feita para expressar suas emoções e é por isso que não ligaria de ver alguém dançando com nosso som.

Assembly traz uma grande massa de efeitos e muitos elementos eletrônicos. Quem é o principal compositor da banda atualmente, o tecladista Lorentz Aspen?
Liv: Não é Lorentz Aspen. Ele tem um papel fundamental em todas as músicas, mas que mais compõe é Raymond. Ele tem seu home-studio e produz tudo. Daí os outros se juntam a ele em seu estúdio e finalizam as músicas. Como atualmente moro na Alemanha e eles na Noruega, costumo pegar o material pronto ou então ficamos discutindo pela Internet. Essa nova tecnologia nos permite isso, o que é muito mais fácil do que ter que pegar um avião para resolver pequenos problemas ou sanar algumas dúvidas. Só que Assembly também foi um marco para mim, porque foi a primeira vez que escrevi todas as letras, já que Raymond não estava com tempo disponível. Sempre quis isso e desta vez consegui.

Como foi a resposta dos fãs de Metal ao álbum Musique? Você acredita que eles irão aceitar o Assembly?
Liv: Eu diria que a metade dos que ouviram gostaram do Musique e a receptividade do Assembly está sendo melhor. Os fãs de Metal foram os mais críticos e em nosso site existem muitos fãs discutindo exatamente sobre nossos dois últimos álbuns. Acho que é uma boa marca e cada um tem sua própria opinião. Quando vamos fazer um álbum não marcamos uma reunião antes só para resolver como vamos soar. Não é nada premeditado. Não existe o papo de: “Será que a gravadora gostará de ouvir isso?”, ou então “Como vamos fazer um som para ganhar mais dinheiro?”. Queremos fazer o melhor tipo de arte possível. Música é arte! O que fizemos nos dois últimos álbuns foi criar algo diferente. É como trabalha um pintor, ele nunca pinta a mesma coisa duas vezes.

Qual o seu grande sonho pessoal? Você já se imaginou cantando junto com Ozzy Osbourne ou até mesmo com sua irmã menor, Carmen Elise?
Liv: Isto seria muito legal. É claro que eu gostaria de cantar com Ozzy, pois o meu pai é o maior fã dele do planeta (risos). E cantar com minha irmã seria muito interessante porque ela é uma vocalista fantástica. Ela estuda música e espero que ela venha para a Alemanha morar comigo e assim poderemos viabilizar este dueto. Meu sonho pessoal seria cantar com Enya, mas acho que nunca será realizado. Esse é um dos meus maiores sonhos.

Mas você não pretende mais lançar álbuns solo?
Liv: Nem sempre as coisas acontecem como queremos. Às vezes esse meio é uma merda, injusto. Tivemos problemas contratuais em minha carreira solo e só poderei pensar em alguma coisa depois de resolver tudo com a gravadora. Quando fico pensando muito nisso chego a chorar. Faz mais de três anos que estou querendo lançar um novo álbum solo.

Entrevista publicada na edição #39 da revista ROADIE CREW (abril de 2002)

domingo, 1 de novembro de 2009

Arquivo Entrevista: JOHAN EDLUND (Tiamat/Lucyfire)

O compositor, vocalista, guitarrista e tecladista Johan Edlund vem trabalhando de forma incessante ultimamente. No ano passado estreou seu projeto solo Lucyfire, lançando o álbum This Dollar Saved My Life At Whitehorse, muito bem recebido pela crítica e pelos fãs. Já o Tiamat, sua banda principal, acaba de lançar o sétimo álbum de estúdio, Judas Christ. A seguir, Johan conta tudo sobre o novo do Tiamat, não esconde sua paixão pelo Rock Gótico e traça planos para o futuro.

Como foram as sessões de gravação do novo álbum?
Johan Edlund: Foi muito longa, frustrante por causa do enorme trabalho que tivemos, mas tudo saiu muito como queríamos. Foi um longo período entre o processo de composição, os ensaios e a gravação. O restante da banda também esteve reunida na maior parte do tempo e trabalhamos muito bem em conjunto.

E quanto a sua parceria com o produtor Nissen, que começou na mixagem do álbum do seu projeto solo Lucyfire?
Johan: Nos entrosamos muito bem quando estamos trabalhando e ele é uma pessoa que não fica tentado nos controlar o tempo todo. Ele estava lá para nos ajudar e vislumbrar como o nosso som iria soar. Ele dava todas as possibilidades e nós entravamos num consenso. Nós tínhamos claramente em mente tudo que queríamos para esse álbum, mas não é sempre que você pensa uma coisa e consegue fazê-la. Nissen é o cara perfeito para fazer as coisas funcionarem, ou seja, ele captou o que desejávamos e colocou tudo em prática.

Como você se sentiu trabalhando no P.U.K. Studio, na Dinamarca, que já tinha sido usado por astros do Pop como Elton John e bandas renomadas da cena Gótica, como o The Sisters Of Mercy e o Depeche Mode?
Johan: Foi muito inspirador trabalhar neste local. Além disso que você citou, é um excelente estúdio, onde você fala com profissionais altamente gabaritados no assunto. Antes mesmo de gravar você já têm aquela consciência de que irá soar bem.

Já que você falou em inspiração, o álbum Foodland do The Sisters Of Mercy serve como guia quando você compõe?
Johan: Em certos momentos pode-se dizer que sim, é um álbum de uma banda que todos nós gostamos bastante.

Existe alguma razão especial para escolher a faixa Vote For Love como primeiro single do novo álbum? Vocês pretendem gravar um videoclipe para esta música?
Johan: Acredito que a mensagem positiva da música, algo novo para nós, levou a esta escolha. Não sei se esta é a música mais representativa do álbum, mas seu tema tem uma declaração muito pesada e forte. Quanto ao videoclipe, nós já o gravamos e acho que deverá sair em breve, pois em poucos dias irei conferir a edição final.

Você concorda que algumas partes do Judas Christ são similares ao seu trabalho com o Lucyfire?
Johan: Acho que é até difícil fugir deste tipo de comparação, ainda mais porque eu componho e canto em ambas as bandas. Sempre poderá pairar uma dúvida se o que está tocando é o Lucyfire ou o Tiamat.

O que você quer dizer com o título Judas Christ?
Johan: Nada em especial.

Vocês não estão provocando os que crêem no Cristianismo?
Johan: Não estamos contra os cristãos e sim contra o cristianismo.

E o que você diz sobre os radicais islâmicos?
Johan: Eu devo dizer que acho o Cristianismo a religião mais hipócrita que existe. Por outro lado sempre respeitarei as pessoas e se elas têm sua crença no Islamismo, Budismo ou o que quer que seja sempre continuarei respeitando o ser humano. Quero falar das questões que estão por trás da religião e neste ponto não existe coisa mais hipócrita que o Cristianismo.

Mudando de assunto, muitas bandas que começaram suas carreiras tocando Death Metal estão agora fazendo Gothic Metal, incluindo o Tiamat. O que você pode nos falar sobre esta transição?
Johan: Nunca pensamos que isso poderia acontecer, mas esta mudança ocorreu devido a muitas mudanças que tivemos em nossas vidas ao longo desses anos de banda. Estamos fazendo isso há treze anos e, obviamente, muita coisa muda.

Qual sua opinião sobre bandas como Moonspell, Darkseed e Paradise Lost?
Johan: Gosto destas bandas. Não diria que elas são influências principais ou que nos influenciaram a mudar o som. Já excursionamos com o Paradise Lost e agora estamos prestes a fazer uma turnê com o Moonspell. Acho que estas bandas que você citou têm as mesmas influências e esta é a melhor forma de você nos conectar a elas. O Tiamat e o Moonspell têm o mesmo ‘background’.

Você acredita que uma pessoa que compre o CD Judas Christ e depois álbuns como o Sumerian Cry ou The Astral Sleep poderá aceitar logo de cara que é a mesma banda, a não ser pelo nome?
Johan: Espero que sim (risos). Sempre existe uma conexão lógica em cada um de nossos álbuns, do primeiro para o segundo, do segundo para o terceiro e assim por diante. Será um choque muito grande a pessoa ouvir o novo álbum e o primeiro, mas sei que intrinsecamente existem muitas coisas em comum.

Como você desenvolveu seu estilo de cantar? Foi complicado mudar do estilo mais agressivo para uma voz mais baixa, limpa e grave? Todo mundo que ouve você cantar sabe que é o Tiamat ou agora o Lucyfire...
Johan: Complicado não foi, mas eu acho que percebi que para ser ouvido você não precisa ficar o tempo inteiro gritando o mais alto possível. A pessoa que fica gritando sem sentido tende a ser ignorado pelas pessoas. Por isso nós percebemos que existiam outras maneiras de chamar a atenção das pessoas e com o mesmo entusiasmo de antes.

Com o álbum Wildhoney a banda obteve reconhecimento mundial. Este é o trabalho mais vendido do Tiamat?
Johan: Sim, é o mais vendido. Na época nós não imaginávamos que isto pudesse acontecer e até mesmo a gravadora ficou surpresa. Quando lhes entregamos a fita master com a gravação do álbum eles já curtiram de imediato. Por outro lado eles estavam com receio porque aquele som era muito experimental para a época. Por sorte, a resposta positiva veio de forma rápida. Todo mundo fala do Wildhoney.

Falando sobre o Lucyfire, a atmosfera que o álbum passa se assemelha às bandas de Hard Rock dos anos 80, porque você fala de festas, mulheres bonitas, carros luxuosos, belas e ensolaradas praias. Por outro lado, o som é o típico Rock Gótico. Este é o outro lado de Johan Edlund?
Johan: Eu não me dividiria em dois lados, há muito mais que isso, lógico. Mas, se você quer fazer alguma coisa diferente deve procurar os caminhos que o levem para isto e eu achei melhor expressar estes outros sentimentos. Mesmo assim isso é muito pouco para explicar o que eu sou, ou seja, uma coisa dimensional. Como estou em duas bandas, a coisa é bidimensional, mas ainda é muito longe de poder afirmar que estes são os dois lados da minha pessoa. Ninguém vai aprender isso ouvindo apenas a minha música.

Como você econtrou os músicos para gravar o This Dollar Saved My Life At Whitehorse? Se você for lançar outro álbum eles serão novamente escalados para participar?
Johan: Eles são músicos de estúdio e eu não os conhecia antes de gravar o álbum. Eu não posso afirmar categoricamente que eles irão gravar outro trabalho comigo, pois como o Lucyfire é notadamente um projeto paralelo eu posso querer experimentar outras coisas, trabalhar com músicos de outras bandas e aí eles poderão ficar de fora.

No álbum do Lucyfire há uma versão bem interessante de Sharp Dressed Man do ZZ Top. Você a escolheu por causa da concepção da letra, que vai de encontro com a temática do álbum?
Johan: As letras são bastante engraçadas e tinham conexão com o Lucyfire mas, ao mesmo tempo, a estrutura da composição também caiu muito bem com o estilo que eu estava criando para o álbum.

Como os fãs e a imprensa reagiram ao álbum do Lucyfire? Existe a possibilidade de você estar atuando ao mesmo tempo nas duas bandas?
Johan: O álbum vendeu muito bem e todos aceitaram esta proposta. Para lhe falar a verdade eu anseio muito estar à frente das duas bandas. Existem planos para uma turnê com o Lucyfire, mas até agora só participamos de um festival.

Falando sobre o Brasil, existe a possibilidade de você vir para cá com o Tiamat?
Johan: Estou trabalhando em cima disso, espero poder fazer uma turnê pela América do Sul este ano. Pelo menos é isso que estamos planejando.

Entrevista publicada na edição #38 da revista ROADIE CREW (março de 2002)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

XXX: a segunda do Lado A

Toda vez que as coletâneas contendo bandas novatas de Heavy Metal eram lançadas havia uma espécie de obrigação em se obter, no mínimo, uma gravação em cassete. Aí era aquela correria habitual daqueles tempos em que os 'tape traders' e os fanzineiros dominavam: um passava para o outro, que copiava para outro e assim por diante. A propagação, que hoje é feita em poucos minutos através dos downloads – sem ao menos o álbum físico ter sido lançado –, era mais lenta, porém mais romântica.

A mais representativa e famosa destas coletâneas, a "Metal Massacre", surgiu em meados de 1982. Pouco tempo depois, aquela ideia do chefão da gravadora norte-americana Metal Blade, Brian Slagel, era uma realidade na cena. Tudo bem que no Brasil as versões chegavam com atraso, mas com as coletâneas – as fitinhas copiadas – em mãos, cada um passava eleger suas bandas preferidas e saía em busca de qualquer sorte de material que pudesse encontrar sobre elas. Havia algumas divergências, mas algumas destas foram unânimes logo na primeira audição, casos dos então novatos Metallica e Slayer, por exemplo.

Os anos iam passando e a "Metal Massacre" continuava firme, revelando boas bandas. Em meados de 1985 veio a "Metal Massacre VI", trazendo o Possessed com "Swing of the Axe" como "abre alas". Como a gravação comprada em lojas como a Woodstock Discos ou algumas da Galeria do Rock (SP) não faziam nenhuma alteração – o lado A do disco era o lado A da fita cassete e o lado B era o lado B –, a ordem das faixas era a mesma. Algumas vezes, quando tínhamos a cópia da cópia da cópia em mãos, algum intermediário dava uma alterada no track list e confusões viravam "lendas urbanas" do meio Metal. Sempre tem aquele carinha que diz ter certeza absoluta que a terceira música do lado B é da banda X, porque a fita dele era gravação do disco original. Bem, deixa pra lá, você já deve ter passado por isso alguma vez na vida. Infelizmente, a gravação que obtive da "Metal Massacre VI" era uma destas alteradas.

Por sorte, descobri que os mesmos amigos do basquetebol do clube Paineiras do Morumby, que editariam pouco tempo depois comigo o fanzine DeathCore, tinham a cópia com a ordem correta da "Metal Massacre VI". Assim, enquanto eu pensava estar ouvindo e curtindo muito uma banda chamada Steel Assassin, os irmãos Caio e Conrado Tabuso me alertaram que aquela era a "Welcome to the Slaughterhouse", do Dark Angel. Sorte que não passei a confusão adiante, porque já estava começando a fazer propaganda demais a outros amigos de bandas que, na realidade, nem tinha gostado tanto.

Regravei-a com a ordem correta e então começamos a eleger as melhores. Como éramos os mais "porradeiros" e curtíamos muito mais os sons extremos, o primeiro eleito foi o Possessed, seguido pelo Hirax, Dark Angel e Halow's Eve.

Só então comecei a perceber que toda vez que ouvia aquela segunda do lado A, a sensação era diferente. Até mesmo quando ia montar uma coletânea para outro amigo conhecer novas bandas, incluía a "XXX". Cheguei a fazer isso para uma das dezenas que gravei ao Claudio Fortuna, que também passou a comentar bastante sobre aquela, segundo ele, "banda esquisita, mas legal".

O som era um Heavy/Thrash de certa forma esquisito mesmo, mas que cativava. Não era aquela coisa que impressionava pela agressividade, como quando ouvimos pela primeira vez o Possessed, mas eles tinham alguma magia diferente. Passei dias, meses e até hoje ainda me pego com aquele refrão sacana "XXX... Triple X". O Nasty Savage provou que havia espaço para a sacanagem explícita no Metal e que as bandas mais agressivas não precisariam viver só de "satan", "evil" ou "demon".

O grupo foi formado na região de Tampa (EUA) no início dos anos 80, por Fred Dreschigan (baixo), Ben Meyer (guitarra) e Craig Huffman (bateria), ainda com o nome de Nightmare. A entrada do vocalista "Nasty" Ronnie Galleti fez com que mudassem radicalmente a linha musical. A primeira mudança ocorreu antes da assinatura do contrato, com a saída de Craig Huffman e entrada de Curtis Beeson, além da chegada de Dave Austin, como segundo guitarrista.

Após a gravação da Demo-Tape "Wage Of Mayhem" (1984), a Metal Blade se mostrou interessada e apostou no potencial da banda, que fez sua estreia justamente na coletânea "Metal Massacre 6". Posteriormente, saiu o cultuado 'debut' "Nasty Savage" (1985), lançado inclusive no Brasil em vinil. Na sequência, após a mudança de baixista com a entrada de Dezso Istvan Bartha, saiu "Indulgence" (1987), mostrando uma sonoridade mais agressiva, bem trabalhada e totalmente Thrash Metal.

Àquela altura, o Nasty Savage tinha um dos shows mais intensos da cena americana. Entre outras estripulias, o insano e performático vocalista Nasty Ronnie cuspia sangue e quebrava aparelhos de televisão no palco, enquanto o baterista Curtis Beeson fazia sua pirofagia cuspindo fogo após seu solo.

E qual não foi a surpresa geral dos fãs brasileiros, quando Nasty Ronnie veio ao Brasil para promover o lançamento de "Indulgence" – que trouxe a regravação de "XXX" – e acertar os detalhes para uma possível apresentação no país. Aquela tarde de sábado à frente da Woodstock Discos, que já estava situada em seu segundo endereço – em frente ao metrô Anhangabaú –, foi inesquecível. Ao contrário da maioria das sessões de autógrafos, Nasty Ronnie fez questão de ficar fora da loja. Passou horas ali, no meio dos bangers, conversando, tirando fotos e concedendo autógrafos na maior humildade.

Estava junto com os grandes amigos do Rio de Janeiro – músicos da banda Necromancer – e de um grande colecionador e conhecedor de Metal, o Fernando Folena. E foi justamente o Folena que me convenceu a voltar para casa para pegar meus discos de vinil para que Nasty Ronnie os autografasse. Foi o que fiz e hoje sei que somente pelo Metal isto é possível.

Além dos autógrafos nos discos do Nasty Savage, Nasty Ronnie ainda fez questão de assinar na página dedicada à banda no fanzine DeathCore, sem antes perguntar: "Você falou bem da minha banda?". Expliquei qual era o teor do texto e Ronnie rabiscou um "DeathCore Rules!". Saímos todos contentes por termos passado uma tarde diferente e agradável em frente à Woodstock Discos.

Naquela longa noitada na extinta Choperia Pedágio, localizada no bairro do Ibirapuera, o papo foi quase que exclusivamente sobre Heavy Metal e, claro, o Nasty Savage. Acredito que os poucos assuntos, fora comentar sobre todas as mulheres presentes no bar e Heavy Metal, foram os drinques esquisitos do Pedágio – "Pô seu Guarda", "Subida da Serra", "Descida Perigosa" – e o chope de 1 litro, o famoso Maracanã. Aí foi aquela habitual discussão sobre futebol paulista X futebol carioca.

No ano seguinte veio a grande notícia, com a confirmação de shows do Nasty Savage no Brasil, com datas no Rio de Janeiro (RJ) e em São Paulo (SP). A inesquecível data da apresentação na extinta casa Projeto SP ocorreu a 23 de julho de 1988, com abertura a cargo da melhor banda brasileira de Thrash Metal: Korzus. No Rio, o 'opening act' foi a Dorsal Atlântica. Ah, como era boa a época que escolha da abertura era feita exclusivamente por merecimento...

E lá fomos nós... Tudo bem que alguns foram "no embalo", já que show internacional no Brasil era coisa rara. Quem realmente curtia, estava eufórico. Eu e o Claudio Fortuna – aquele mesmo, que tinha conhecido a banda por causa da "Coletânea Batalha Vol. 15" – fomos com uma missão extra: filmar o show. Estava acostumado a filmar os shows de bandas nacionais no Teatro Mambembe, no Rainbow Bar ou em qualquer que fosse o buraco que tivesse show, mas a velha câmera Panasonic VHS estrearia em um evento internacional.

Estávamos apreensivos, pois mesmo com toda negociação feita de forma antecipada com o dono da revista Rock Brigade, Antonio Pirani, a entrada de uma pessoa não credenciada em um show naquela fase era quase impossível. Imagine, então, duas pessoas com ingressos comuns portando uma filmadora. Se um fã era proibido de entrar com uma simples máquina fotográfica, com uma filmadora era algo tão raro que parecia mais proibido e difícil que entrar em um show com alguma substância ilícita.

Até houve um pequeno estresse na entrada, com aquelas costumeiras palavras proferidas de forma agradável por seguranças e porteiros, como "não estou sabendo de nada" ou "sem credencial, sem chance". Enfim, conseguimos entrar e fomos para o "Balcão Nobre", já que filmar na pista seria inútil.

Os shows foram fantásticos. Como fiquei tentando me concentrar na filmagem não deu para agitar muito, mas obviamente curti e vibrei com músicas como "Stabbed In The Back", "Gladiator", "Inferno", "Unchained Angel", "Witch's Sabbath", "Metal Knights", "Divination", "You Snooze, You Lose", "Abstract Reality" e, obviamente, "XXX". Já o Claudio Fortuna ficou abismado e tão empolgado com a qualidade de som e a postura de palco do Korzus, que afirma até os dias de hoje que preferiu o set dos brasileiros, mesmo tendo gostado bastante da performance do Nasty Savage. Eu sei, você também pensou ou já ouviu dizer que quando dão as mesmas condições e a mesma estrutura, as bandas brasileiras detonam... Uma pena que não é sempre assim.

Ao final da apresentação do Nasty Savage, fomos tentar achar o Toninho da Brigade para entregar a fita VHS com a filmagem do show e receber o pagamento. Claro que ouvimos quase as mesmas coisas: "aqui não pode entrar", "sem credencial não dá", "fazer o quê no camarim?"...

Com a entrada liberada, conseguimos até mesmo falar com todos os músicos, algo raríssimo mesmo depois de quinze anos de atuação como imprensa no meio do Heavy Metal. Dá para contar nos dedos de uma mão as vezes que conseguimos entrar em camarins ou falar com músicos de bandas após um show. Ficou surpreso com isso? É, não existe essa de credencial "all access" para a mídia não.

Falei com Nasty Ronnie e lembrei-o daquela tarde na Woodstock Discos e do Fanzine DeathCore. Como o lado fã falava muito alto e o do jornalista parecia instintivo, havia levado no bolso uma folha de papel com o provável set list e colado uma foto da banda que tinha saído em um jornal de grande circulação de São Paulo. Já que a folha estava no bolso mesmo, aproveitei para pegar autógrafo de todos.

Todos assinaram e quase preencheram a folha toda. Todos, menos o guitarrista Ben Meyer. Engraçado que na hora, ainda pensei: "Mas que cuzão esse cara!". Continuei falando com todos, menos com ele.

Aí, já em casa, peguei a folh
a de novo, tomei um susto e me senti mal... O cara tinha assinado o nome dele bem pequeno, quase imperceptível, em cima da foto que tinha sido publicada no jornal. Quem adora esta história é o meu grande amigo "anão" (2m04) Fernando "Jospeh Goose" Biava, ex-companheiro de Basquetebol e parceiro de tantos outros shows e baladas. O cara adora rir da minha cara e pede direto para eu contar para os outros esse tremendo fora que dei no camarim com o Ben Meyer.

Após a passagem pelo Brasil, o Nasty Savage seguiu promovendo o EP "Abstract Reality", mas depois substituiu seu baixista, passando a contar com o já falecido Chris Moorhouse. No ano seguinte, saiu o álbum "Penetration Point", mostrando ainda mais evolução musical. Durante aquela turnê, o baterista Curtis Beeson cedeu o posto para Rob Proctor, que esteve como músico convidado. Entretanto, problemas internos de relacionamento e na gerência dos negócios fizeram com que a banda encerrasse as atividades.

O show de retorno ocorreu somente em 1998, no festival alemão "Bang Your Head". Os fãs se animaram, mas a volta oficial ocorreu somente após o l
ançamento do EP "Wage Of Mayhem", em 2002. Aí, a vontade falou mais alto e Nasty Ronnie (vocal), Ben Meyer e David Austin (guitarras), Curtis Beeson (bateria) e Richard Bateman (baixo) voltaram ao estúdio e gravaram "Psycho Psycho", que saiu em 2004. A qualidade musical apresentada foi a mesma, mostrando que os caras não tinham perdido a mão. Fiz questão de entrevistar Nasty Ronnie e a matéria foi publicada na edição #68 da revista Roadie Crew. E, claro, perguntei sobre a "XXX", a segunda do Lado A...

ARQUIVO RB: ENTREVISTA – NASTY SAVAGE

Por que o Nasty Savage resolveu encerrar as atividades após o lançamento do álbum Penetration Point?
"Nasty" Ronnie: Nós ficamos cansados de tudo e todos sabem que, às vezes, um relacionamento se desgasta e aí você fica mesmo de saco cheio. Tivemos alguns acordos mal feitos nos negócios e também problemas com o empresariamento. Com isso, sentimos que não iríamos conseguir sair daquele ponto onde paramos e resolvemos nos separar.

Após a separação, Ben Meyer formou o Gardy Loo e gravou com o Acheron, e você tentou seguir em frente com a banda Inferno. Como foi aquela época?
Ronnie: O Inferno era apenas um projeto, algo que eu sempre quis fazer, com um som extremamente pesado, para mostrar que eu também conseguia cantar Death Metal. Não fiz tanta questão em me dedicar de corpo e alma e procurar loucamente por uma gravadora. A Cook Records lançou o álbum e ele agora é parte da história, apenas isso.

Quando vocês tiveram a ideia e a vontade de voltar para cena com o Nasty Savage?
Ronnie: Nós não planejamos nada e eu nem fazia ideia de que estaria novamente num palco e sequer gravando um novo álbum de estúdio. Mas se é u
ma coisa que você tem em seu coração, nunca perde aquele sentimento. A "destruição" voltou e agora tivemos a chance de fazer este novo álbum, depois de termos relançado o EP e o Penetration Point. Aí, a Cook Records nos ofereceu uma ótima proposta para um trabalho inédito. Por causa disso sentimos que deveríamos nos reunir e esquecer o que aconteceu no passado e olhar somente para frente, criando coisas novas para que tivéssemos um Nasty Savage versão 2004! Desta forma, todo mundo trabalhou com mais paixão e emoção no processo de composição, resultando em um álbum como o Psycho Psycho.

Antes desse retorno oficial vocês realizaram um 'reunion show'. Como foi aquela apresentação e como foi a resposta do público?
Ronnie:
Nós fizemos o festival "Bang Your Head" na Alemanha, em 1998. Aquele foi o primeiro momento que voltamos a tocar muito depois de anos de ausência, mas naquela época ainda não estávamos com o baterista Curtis. Foi muito legal
aquele show, pois puder voltar no tempo, agitar, cantar, vibrar, ficar novamente louco e quebrar TVs... (risos). Fora a emoção ao ver o público cantando conosco e gritando: "Nasty Savage, Nasty Savage...". Aquilo foi tão bom que para nós passou depressa demais. Depois ficamos mais cinco anos sem nos apresentarmos. Tudo correu bem e o que interessa é que agora estamos de volta!

Alguma razão especial por terem escolhido o título de Psycho Psycho para o novo álbum?
Ronnie:
Bem, no começo o título da música era Psycho Sexual, mas nós não sabíamos ainda qual seria
o nome que colocaríamos no álbum. Essa foi uma questão meio complicada que demoramos para resolver. Aí fizemos uma lista com o nome de todas as músicas que tínhamos composto e mais outros que vieram à mente na hora. Só que quando estávamos em estúdio gravando, muitas pessoas vieram nos visitar, alguns jornalistas, amigos e fãs. Todos eles depois que ouviram a música que antes era Psycho Sexual nos disseram que haviam curtido muito "aquela onde o refrão repetia 'Psycho Psycho'"... (risos). Aí como percebi que aquilo havia grudado de imediato na cabeça das pessoas eu resolvi mudar para Psycho Psycho. E aí acabamos usando-o não só para a música, mas também como o título do álbum. É uma música muito forte e intensa, que marca realmente e todos concordaram que seria a melhor escolha, ainda mais porque todo mundo é mesmo um pouco 'psycho psycho' (risos). Muitas coisas de nosso dia-a-dia nos deixam assim, como o trânsito caótico, as filas, a seu chefe pentelho e todos aqueles altos e baixos da vida de qualquer pessoa. Todo mundo pensa um pouco em jogar tudo para o alto e ficar um pouco 'psycho psycho' (risos).

Concordo plenamente com isto!

Ronnie: (risos) Mas isso é uma coisa que está dentro de qualquer um e todos podem explodir a qualquer momento!

E os seus 'psycho psycho fans', como estão reagindo ao novo álbum?
Ronnie:
Os nossos verdadeiros fãs ficaram extremamente contentes, animados com nossa volta e adoraram o álbum! Eles nunca achavam que poderiam nos ouvir e por isso ficaram espantados. Por sinal, convoco nossos amigos brasileiros a postar sua mensagem no guestbook de nosso site oficial! Queremos ter conhe
cimento da reação das pessoas e ler o que eles estão achando sobre o álbum e o nosso retorno! Sobre a imprensa, muitos que hoje estão trabalhando na mídia eram jovens 'headbangers' na época do Nasty Savage, há cerca de quinze ou vinte anos, e se lembram da banda com carinho, porque cresceram ouvindo nosso som! Como eles estão trabalhando no meio, seja em sites, revistas, gravadoras, rádios, casas de shows, e não deixaram de ser fãs de Metal, nos trataram muito bem. Isso é muito legal, porque as resenhas positivas superam as negativas. Parece que estamos conquistando novos fãs, pois muitos pensam que somos uma banda nova.

Quem teve a ideia de regravar a música Savage Desire, vinte anos após o lançamento da clássica Demo-Tape Wage Of Mayhem? Como vocês chegaram a Chris Jericho (Fozzy) para fazer uma participação especial nesta faixa?
Ronnie:
Vejamos as músicas da Demo. A
XXX entrou no Indulgence. A Unchained Angel saiu no Abstract Reality. Aí pensamos em trazer de volta uma música daquela época e deixá-la com a cara de 2004. Escolhemos a Savage Desire desta vez e no próximo álbum quero regravar a Witch's Sabbath! Chris Jericho veio através de um amigo e um amigo.

Pensei que o seu envolvimento com Chris Jericho tinha vindo da paixão pelo Wrestling e as Artes Marciais em geral. Ele é lutador profissional de Wrestling e é tricampeão Intercontinental da WWF!

Ronnie:
Isso também, mas foi pelo lado musical, porque o próprio Chris havia dito que era um grande fã de nosso tra
balho e que queria nos conhecer pessoalmente. Marcamos um encontro e fomos jantar. Na primeira hora de papo ele não disse outra coisa a não ser a história do Nasty Savage! Ele provou mesmo que era um verdadeiro fã, além de ser um cara legal e talentoso, porque eu escutei os álbuns do Fozzy. Ele canta bem! Tempos depois, quando fomos gravar, o convidamos e ele disse que seria uma honra participar de nosso álbum. Até hoje nos falamos de vez em quando. Sobre as Artes Marciais, eu ainda sou fanático, mas como estou muito ocupado agora com a música e outras atividades, não tenho tido tempo. Posso voltar a praticar a qualquer momento, porque é outra coisa que está no meu coração!

Ainda com relação a músicas antigas da banda, por que vocês nunca gravaram as primeiras composições, como Stormchild, Satan's Defeat, Way Of The Warlock e Vigilante?
Ronnie: São músicas boas que você lembrou! Ainda tinha a Sirens' Call! Bem, apenas acabou acontecendo e elas foram ficando para trás e a Vigilante seria uma boa pedida para uma regravação! Se bem que eu acho que já usamos algum pedaço dela em outra música e aí ficaria ruim. Way Of The Warlock é outra legal! Existem alguns discos ou fitas piratas dos anos 80 onde tocamos estas músicas e muitas pessoas correm atrás deste material raro. Eu acho que agora já contentamos os velhos fãs com a Savage Desire e, como disse, a Witch's Sabbath poderá ser outra. Vamos pensar para frente, olhar para o futuro e criar coisas novas.

Falando em coisas novas, por que resolveram mudar um pouco o 'layout' do logotipo?

Ronnie: Foi amassado e esticado um pouco, mas apenas em termos de se fixar ao contexto geral da capa.

O Nasty Savage foi uma das primeiras bandas de Metal a gravar no Morrisound Studios. Você se lembra como foram as sessões de gravação do primeiro álbum, Nasty Savage?
Ronnie: Foi bem legal! Lembro que Brian Slagel da Metal Blade foi ao estúdio quando o álbum estava sendo mixado. Nós tínhamos produzido-o junto com Jim Morris e os outros engenheiros de som de lá, que eram muito bons. Depois que o Nasty Savage e também o Savatage gravaram lá todo mundo se interessou! Até mesmo o Sepultura, Agent Steel, Death, Destruction e outras. Demos o passo inicial e o Morrisound se tornou a casa das bandas! Scott Burns veio e começou a produzir também por lá. Acho que é interessante ver que o seu trabalho foi bem analisado e que muitos seguiram o bom caminho. Ser um abre-alas no estúdio Morrisound nos deixa felizes!

Uma das melhores faixas do primeiro álbum é a No Symp
athy. É verdade que vocês a compuseram no estúdio, meio em cima da hora?
Ronnie:
Na verdade é complicado lembrar exatamente isso após tantos anos, mas eu acho que não foi feita por último. Tínhamos todas as músicas compostas quando fomos gr
avar, ensaiamos muito antes da gravação. E quando chegamos no Morrisound ainda tocamos bastante todas as composições e acho que a No Sympathy estava incluída. O processo foi totalmente o inverso do Psycho Pyscho, que fizemos inteiramente no estúdio, pois não ensaiamos nenhuma vez para gravá-lo! Todo mundo criou a sua parte em separado e nos encontramos em estúdio. Dave vive no Tennessee e só encontrei com ele três vezes antes de começar a gravar o Psycho Pyscho. Eu nunca demorei muito tempo para escrever as letras, mas só consigo quando tenho a música pronta nas mãos, com os solos e tudo mais. Preciso disto para sentir realmente a vibração de uma composição! Desta forma, após tanto tempo, fiquei como um pintor que olha para a tela em branco, mas não tem o que pintar. Eu fiquei maluco, mas quando recebi as músicas novas gravadas eu enlouqueci, e fiz como Picasso ou Van Gogh em seus quadros, usei todas as cores que tinha (risos). Tudo que estava na mente foi colocado no papel e aí saíram a Dimension 13, Psycho Pyscho, Betrayal System... Escrevi a respeito de situações de relacionamento entre as pessoas, do tratamento, as emoções e os sentimentos.

E quanto ao seu modo de cantar? Você se lembra quais foram as primeiras influências e como desenvolveu seu estilo pessoal?

Ronnie:
Sempre fui muito mais um 'performer' a um vocalista técnico e estudado. Quando era bem criança, na época de escola, o que me chamava mais a atenção era um seriado de TV chamado "West Side Story" e eu lembro das gangues lutando e depois as danças. Lembro-me também que quando meus pais e familiares falavam para mim o nome do seriado, eu saia dançado pela sala (risos). Todo mundo cantava as músicas daquela série. Aí, nos anos 80 eu disse para mim mesmo que seria vocalista de Heavy Metal. Formei uma banda e depois entrei no Nasty Savage e a razão de termos feito logo de cara m
úsicas próprias foi porque eu não conseguia cantar músicas dos outros, era muito limitado nos covers (risos). Só que se você está cantando suas próprias músicas ninguém vai falar que falta algo ou que você está fazendo errado, porque é coisa que você criou! Aí dei a ideia de nos concentrarmos na gravação de Demos ao invés de pensar em covers. Disse para o pessoal: "vamos fazer do Nasty Savage uma banda e fodam-se os covers". Eu acho que sempre você pode mudar seu estilo de tempos em tempos, por isso eu nunca parei e continuei tentando coisas diferentes. Minhas influências pessoais vem do Black Sabbath antigo e também Ian Gillan, Iron Maiden com Paul Di'Anno e Bruce Dickinson e Rob Halford. Muitos pensam que meu estilo nos falsetes e gritos são por causa do King Diamond, mas na verdade me inspirei no estilo do Rob Halford. Lembro-me escutando aquela música do Judas Priest, Exciter e outras do álbum Stained Class, e ficava tentando chegar às notas mais altas. Mas aí você aprende a controlar e como chegar nelas. Foi o que fiz e adaptei ao meu estilo. No Psycho Pyscho eu não tive que cantar em cima de passagens complicadas e partes difíceis como aconteceu no passado e por isso pude realizar um trabalho diferente. No Abstract Reality sim, eu achei mesmo que estava cantando sério (risos). Lembra da Eromantic Vertigo? Sempre encaro como um desafio, pois se você não encarar desse modo, não vai evoluir e curtir e aí o melhor que faz é parar.

Como você mesmo disse, sempre pensou em tentar coisas novas. Foi por isso que no segundo álbum, Indulgence, você deixou de lado os falsetes e as notas altas e adotou um estilo mais agressivo?
Ronnie: É complicado mudar completamente, porque mesmo no Indulgence ainda cantei algumas notas mais altas e uns agudos. Só que da mesma forma que alguns aprovam as mudanças, outros só ficam questionando a respeito disso. No Psycho Psycho eu fiz realmente o que queria, sem qualquer influência. Bem, eu trabalhei no estúdio com Donald Tardy o baterista do Obituary e Mark Prator, engenheiro de som e também baterista. Toda vez que eu falei que ia dar um grito ou elevar a voz mais para o agudo, lá vinham eles: "Puxa irmão, outro desses..." (risos). Eu estava contra todos e disse "foda-se, farei do jeito que queria mesmo". Só que tenho consciência de tem os que querem escutá-los e os outros que não gostam e preferem o agressivo e o gutural.

Schmier, baixista e vocalista do Destruction, passou pelo mesmo, porque quando ele parou de dar os agudos e notas mais altas nos gritos, muitos fãs reclamaram. Agora ele voltou a usá-los...

Ronnie:
É normal que aconteça isso e eu o conheço bem porque fizemos algumas baladas juntos, já que eles também gravaram aqui em Tampa, no Morrisound. Na verdade, você não pode fazer querer agradar a todos, mas também não dá para obedecer aquele que pensa que é o "Sr. Metal", o sabe-tudo, entende? Faça o que está no coração, porque muitos desses são meros modistas e depois poderão estar escutando outro tipo de som. E isso vale não só na música, mas em nossa vida.

Como foi o começo da sua carreira? Por que sua primeira banda, Crionic Dogs, não vingou?

Ronnie:
Crionic Dogs... Bem, era apenas uma banda de garagem. Eu ficava nervoso naquela época quando estava cantando (risos). Tocávamos alguns covers e tínhamos somente uma música própria, a Red Devil Massage, que até hoje nem sei do que se trata. Bem, foi um aprendizado até que eu chegasse ao Nasty Savage.

No início o Nasty Savage tinha uma vocalista mulher...
Ronnie:
Sim, naquela época se chamava Nightmare e tinha mesmo uma garota no vocal, além de Fred Dreschigan no baixo, Ben Meyer na guitarra e Craig Huffman na bateria. Lembro que os vi em algumas baladas e tempos depois fiquei sabendo que eles estavam procurando um vocalista. Fui atrás e fiz o ensaio com eles. Acho que cantei umas quatro vezes a Wrathchild do Iron Maiden. Depois de um mês ninguém me disse se eu havia sido aceito na banda até que eu os encontrei numa festa e perguntei se estava dentro. Eles disseram que sim e no dia seguinte eu cheguei já com o nome Nasty Savage em mente e disse para eles. Estava bem consciente que queria eu falei também que eu seria "Nasty" Ronnie e que nós iríamos compor músicas próprias, juntar dinheiro para gravar um Demo de quatro faixas. Depois iríamos buscar uma gravadora, lançar um álbum, fazer turnês e ter uma carreira. Um ano depois tudo isso aconteceu, porque planejamos e aquele era nosso objetivo!

Como surgiu a oportunidade de fazer parte do cast da coletânea Metal Massacre 6 da Metal Blade, com a faixa XXX?
Ronnie:
Quando gravamos a Demo eu comecei a mandar para todas as gravadoras, lojas, rádios, fanzines, fãs de Metal e tudo quanto é lugar que tinha endereço que tinha alguma conexão com o Metal! Em nossos shows eu sempre fiz questão de termos fotógrafos próprios e acesso total para repórteres, pois assim eu mesmo poderia mandar nossas fotos para revistas. Aí muitas deles nos colocaram na capa e foi gratificante para nós porque deu resultad
o. Além disso, uma rádio no Texas que tocava nosso som sem parar. Foi ele que mandou a fita para Metal Blade e fez com que fizéssemos shows por lá, mesmo sem ter álbum lançado. E nessa época toda vez que íamos tocar fora, como eu morava com minha família, eu telefonava para minha mãe para saber como estavam as coisas e se tinham chegado cartas para mim em nome da banda. Toda vez ela dizia que tinham muitos pedidos para envio de nossa Demo, acho que vinte ou trinta cartas por dia. Aí, um dia ela disse que tinha uma carta em nome da Metal Blade Records. Eu logo pedi para que ela lesse a carta inteira. Bem, dizia que a gravadora havia se interessado pelo nosso trabalho, queria incluir uma música na coletânea Metal Massacre 6 e assinar conosco para um álbum. Preciso falar minha reação? (risos).

Como está a relação do Nasty Savage e a Metal Blade atualmente?

Ronnie:
Hoje em dia trabalhamos com el
es apenas na Europa, mas por lá está indo tudo bem e eles sabem trabalhar na promoção de uma banda. É bom sentir que eles sabem cuidar de seus negócios, porque investiram dinheiro e tenho certeza que querem retorno. Bem, até o momento não temos nada do que reclamar e está indo tudo muito bem.

Qual o álbum mais vendido da carreira da banda?

Ronnie:
Acho que todos mantiveram a mesma média. Não tivemos aquele estouro, mas também nenhuma decepção.

Haverá uma turnê de promoção ao Psycho Psycho?

Ronnie:
Bem, após a entrevista irei embarcar para o Brasil (risos). Brincadeira... Nós poderemos fazer uma turnê pela Europa, mas penso que se for para fazermos algo a este respeito, tem que ser uma coisa concreta e que vá dar bons frutos para a banda. Quando você fica mais velho, maduro, tem que pensar mais nos negócios porque você não é mais aquele jovem bobão, no bom senti
do, mas que faz qualquer coisa e fica alegre. Tenho minha família, meus filhos, contas a pagar e minha empresa, onde produzo um programa de TV, chamado "Born To Ride", sobre motocicletas e tudo que envolve esta área. Aliás, quem tiver interesse em motociclismo, basta entrar no site www.borntoride.com.

O Nasty Savage estaria preparado para uma nova passagem pelo Brasil?
Ronnie:
Sim, claro! Amamos o Brasil! O Psycho Psycho será lançado no Brasil, pela mesma gravadora que lançou um CD ao vivo nosso, Live In Clevland 1987 (N.R.: Marquee Records). Se tudo correr bem, poderemos fazer algumas datas por aí e rever nosso fãs brasileiros. A música Welcome Wagon (N.R.: faixa de abertura do álbum Penetration Point) já diz tudo no verso: "I'd like to go back to São Paulo / South America Down in Brazil / Then it was off To Rio De Janeiro / I was still thinking About São Paulo / The beautiful beaches Of Ipane
ma wasn't long / We saw the Tonga / Over the mountains Through the jungles On our way to Humberto's place / South America down in Brazil". Bem, preciso falar mais alguma coisa? (risos) Já falei sobre o Brasil nesta música, porque adoramos nossa estada por aí, as pessoas são muito amáveis e visitamos belos lugares. Além disso, os brasileiros sabem como fazer uma festa e se divertir, além de serem grandes fãs de Metal! Ah, e queremos muito comer nas churrascarias daí, que são absurdas de boas (risos). O cristo redentor no Rio também dá uma força e aquela vista nos pontos turísticos, as mulheres muito bonitas e gostosas. Adoraríamos voltar!

Sobre a performance da banda no palco, de quem veio a ideia de você quebrar uma TV e o baterista Curtis cuspir fogo após o solo, entre outras coisas 'psycho' que a banda faz nos shows?
Ronnie: Gostei das observações sobre coisas 'psycho' (risos). A ideia surgiu logo no início da banda, porque eu mesmo sofri influências nas loucuras dos shows da Wendy O. Williams (N.R.: falecida ex-vocalista do Plasmatics). Eu fui naquela linha e começamos com as nossas maluquices. Desde nosso primeiro show sempre tivemos esse lado cênico muito forte e que dá ainda mais força ao espetáculo. Lembro que uma vez quebrei duas TVs em Tampa e aquele foi um show sangrento. Também quase nos baniram em New Jersey, proibindo-me de quebrar a TV no palco no peito como eu fazia. Eu disse que aquilo era besteira e que eu faria de qualquer jeito (risos).

Falando em acidentes, vocês chegaram a ter problemas com incêndio ou fogo? Não estou falando de tragédias, como o ocorrido com o Great White, mas algo que aconteceu com Curtis cuspindo fogo após o solo de bateria...

Ronnie:
Tivemos alguns probleminhas e eu até ajudei a apagar com toalhas molhadas, se é que aquilo ajudou mesmo (risos). Isto sempre acontecia em clubes de menor porte, mas já aconteceu de pegar foto no teto de alguns lugares, mas nada como a enorme tragédia que aconteceu com o Great White. Você tem que tomar o máximo de cuidado!

O Nasty Savage dividiu o palco com bandas como DxRxIx, Hallows Eve, Slayer, Exumer, Atomkraft, Korzus e outras. Quais foram os grandes momentos e os shows inesquecíveis?

Ronnie: Muitos nos Estados Unidos, mas claro que não vou deixar de citar os shows no Brasil, no Rio de Janeiro e São Paulo, que foram muito bons. Tocar na Polônia para quinze mil pessoas foi marcante também. Outro que marcou foi o "Bang Your Head" na Alemanha, em 1998, que nos trouxe de volta. Gosto de relembrar aquela cena da Flórida também, onde abrimos caminho de algum modo e não esqueço de que músicos de bandas como Morbid Angel, Obituary sempre estavam presentes em nossos shows, antes mesmo de formarem suas bandas. O falecido Chuck do Death costumava fazer baladas conosco também e aquela época era bem legal! Agora também os shows que estamos fazendo estão sendo muito legais e estamos nos aprimorando a cada apresentação, por isso a mais recente é sempre a mais legal. Acho que no futuro será ainda melhor, pois o set estará mais insano e doente! As pessoas me perguntam se não estou muito velho para fazer Heavy Metal, quebrar TVs no palco e cantar como um louco, mas eu lhes digo: "Vão se fuder! Se pensam que estou acabado que vejam a intensidade nossos shows". Não quero ficar sentado só falando coisas como "eu era", "eu costuma ser vocalista de uma banda", "um dia eu fiz isso", porque agora é o que conta!

Esse pessoal então nem conhece Ronnie James Dio, Alice Cooper, Ian Gillan...

Ronnie:
Claro, são mestres que estão na ativa até hoje! Este é o ponto chave e você melhora com o passar do tempo. A maturidade ajuda o músico e também em nossa vida pessoal. Está certo que vários momentos do passado são inesquecíveis e todos nós temos nosso lado saudosista, mas olhar para frente tendo um objetivo é o que mais conta. Quando você toca em um festival de Metal, são trinta ou mais bandas como a sua e o que irá fazer com que você se destaque é a sua performance no palco. Se for um show matador, todos irão comentar, caso contrário, será apenas mais uma que tocou. Não damos espaço nem para uma pessoa sair para pegar sua cerveja, porque se for irá perder algo!

Sendo um grande exemplo do Metal dos anos 80, como você compararia a cena daquela época com a que temos atualmente?

Ronnie:
Com a Internet, é incrível a velocidade de como as notícias se espalham. Tudo acontece como que num piscar de olhos. Só que, infelizmente, a cena americana para mim é uma merda. Acho que os americanos às vezes são muito modistas, caem em qualquer embalo. Um dia são Metal, Hard Rock e no outro gostam de Grunge e agora do Slipknot e Limp Biskit. Porra, o que é isto? Apóiem o verdadeiro Metal, aquilo que não é tendencioso, falso, fingido, modista! Os europeus e os sul-americanos são bem mais fiéis e verdadeiros. Se eles gostam de uma banda, não deixarão de gostar de um dia para o outro. A situação do Metal nos EUA não está tão boa assim, a não ser para nomes como Slayer, por exemplo.

Quais são os planos para o futuro?

Ronnie:
Agendar shows e esperar que o álbum seja bem aceito e que venda, porque só assim poderemos voltar ao Brasil e tocar na Europa. Precisamos de um clipe, de um DVD, de estar novamente na mídia e se isso não acontecer, nosso nome não será ampliado aqui nos Estados Unidos. Quero muito que todos os nossos fãs escutem o Psycho Psycho e que nos ajudem e ter ainda mais sucesso que no passado! Quando uma pessoa gasta o seu dinheiro suado comprando algum material nosso, isso significa muito para nós, pois sabemos que não podemos desapontá-la! Gostamos de conversar com fãs, dar autógrafos e você deve ser real e não o "Senhor Rockstar". Temos muito trabalho a fazer, estamos sem empresário, mas vamos ver o que acontece.

Site: www.nastysavage.com