Após deixar a banda norueguesa Conception, o guitarrista Tore Østby se juntou ao baterista John Macaluso (ex-TNT e Yngwie Malmsteen) e formou o ARK. Os dois encontraram em Jorn Lande (Millenium, Yngwie Malmsteen, Jorn), na época ‘frontman’ do The Snakes, o vocalista ideal. O primeiro álbum, "ARK" (1999), obteve grande repercussão na Europa, mas como a distribuição foi fraca a banda não estourou. Já com o line-up estável, com a presença do baixista Randy Coven (ex-Holy Mother, Steve Vai, Steve Morse) e o tecladista Matts Olausson (ex-Yngwie Malmsteen), o ARK obteve o reconhecimento com o lançamento de "Burn The Sun" (2001). Lançado no meio do ano passado na Europa e Ásia, e em janeiro deste ano nos EUA e Austrália, este trabalho marcou uma nova era para o ARK, que daqui para frente só tende a crescer.
Vocês realizaram um grande trabalho no CD "Burn The Sun". Onde foram buscar inspiração para compor este tipo original de música? Podemos chamar isto de o "estilo ARK"?
Tore Østby: Muito obrigado por seus comentários! Nos inspiramos em tudo que somos expostos e no que tem sentido para nós. Os elementos básicos para se criar música são as emoções e as experiências pessoais. Deixamos nossa criatividade nos guiar e deixamos a música fluir de dentro de nossos diferentes sentimentos e situações. Quando compomos, normalmente começamos com as guitarras e a bateria. John e eu nos reunimos para ensaiar, fazer ‘jams’ e em algumas ocasiões Jorn também se une a nós, mas nestas reuniões ninguém sabe o que pode acontecer. Deixamos a música nos levar. Às vezes tocamos durantes horas, sem nenhuma pausa. Sempre gravamos tudo e após alguns dias fazendo essas sessões paramos para ouvir e selecionar o material que foi gravado. Depois disso montamos as estruturas das músicas com o material que mais nos chamou a atenção. Por isso, nossa estrutura de composição é totalmente espontânea, o que vai de acordo com o que disse, ou seja, a música flui com naturalidade. Depois disso Jorn cria as linhas de voz, e Randy e Mats colocam suas particularidades nas músicas como se estivessem gravando o álbum. Acredito que você possa chamar isso de “o estilo ARK”, porque nós não pertencemos somente a um estilo específico. Tentamos ser o mais original possível e chamamos isso de ‘ARK-music’.
Quem teve aquela idéia de inserir um barulho de uma moeda caindo no chão na música "Heal The Waters"? E quanto aos riffs de guitarra e aquele duelo de guitarra e teclado no solo?
Tore: A idéia do barulho de uma moeda girando veio de nosso produtor, Tommy Newton. Como o tópico da letra é completamente anti-capitalista achamos que combinaria, ainda mais na parte em que foi usado. O refrão que vem na seqüência do efeito da moeda dá uma atmosfera especial e é uma subida forte para o fim da música. Os riffs de guitarra são baseados em uma mistura de harmonias orientais e ocidentais, feita com energia, potência e intensidade. A respeito do solo, quando Mats entrou no estúdio para gravar a sua parte ele não tinha escutado sequer um acorde desta música. Ele somente teve contato com nosso primeiro álbum e isto foi proposital, porque queríamos que ele fosse o mais espontâneo possível. A idéia era dividir os solos, mas Mats começou a improvisar. Na segunda vez que tocamos a mágica aconteceu. Achei o ‘take’ dele brilhante e conclui que seria até vergonhoso dividi-lo em partes. Mantivemos o solo dele inteiro e depois eu adicionei uma segunda harmonia em cima do que ele tinha gravado.
O baixo fretless na faixa "Torn" passa uma vibração que remete ao Rush, concorda?
Tore: Sim, você pode levar para esse lado. Eu tive a mesma sensação quando estávamos em estúdio. Randy surpreendeu a todos de forma positiva com sua extraordinária habilidade no ‘fretless’, o que deu um brilho todo especial ao nosso som.
Ainda sobre essa faixa, Jorn Lande faz uma espécie de efeito nos falantes com um jogo de palavras completamente maluco no meio da música. Aquilo também surgiu espontaneamente? Vocês são loucos?
Tore: Jorn está cantando em seu ritual nativo particular. Se somos loucos? Sim, certamente. Eu nunca estive junto com um grupo de pessoas tão loucas como agora. Adoro isso, pois além desta loucura girar em torno da criatividade, é muito divertido!
A faixa-título, "Burn The Sun", tem uma linha mais Hard Rock, especialmente no refrão. É comum vocês incorporarem elementos do Hard no "estilo ARK", considerando que o guitarrista Ronni Le Tekro (TNT) é uma grande inspiração para você, assim como o vocalista David Coverdale é para Jorn Lande?
Tore: Todos nós temos fortes raízes no Hard Rock. Tekro foi provavelmente a razão para que eu começasse a tocar guitarra, mas nós não pensamos em fazer algo parecido com alguém ou alguma outra banda. Quando compomos nós simplesmente seguimos nossos instintos.
Já que você disse isso, poderia me falar de onde surgiu a idéia da música "Just A Little"? Ela conta com elementos mais Pop, que lembram o trabalho do Seal, além de um ‘groove’ vindo da música latina, que é uma coisa que você costuma fazer uso desde os tempos do Conception.
Tore: Sempre gostei muito do som das cordas de náilon. Os estilos de música latina para mim sempre foram coisas ardentes, que me transmitem uma grande paixão e fogo. Também é um estilo que combina muito bem com o Rock, por causa de sua intensidade.
Você vem trabalhando com o produtor Tommy Newton desde a época do Conception. O que ele sentiu quando ouviu as músicas do "Burn The Sun" pela primeira vez? Ele sugeriu muita coisa para incrementá-las?
Tore: Sempre gostei de trabalhar com Tommy. Sua principal preocupação é com o modo e a energia com que você executa as músicas, o que acredito seja fundamental na hora da gravação, não tem essa de fazer pequenas emendas. Ele é um engenheiro de som incrível, muito criativo e tem uma grande paixão no que está fazendo. Ele sempre foi como um integrante da banda durante as gravações. Quando finalizamos a base das composições para o álbum, John e eu fomos para a França para comemorar com um curto período de descanso. Neste período de férias, passando pela Alemanha, nós paramos lá para encontrar Tommy e fazer algumas baladas por lá. Nesta estadia apresentamos algumas músicas e ele simplesmente não acreditou. Instantaneamente ele veio com várias idéias e falou como ia fazer a produção do álbum. Depois que ouvirmos o que ele tinha para nos dizer, concluímos que ele havia compreendido nossa proposta. Nós mantivemos os arranjos da maneira que foram criados mas, sem dúvida, Tommy contribuiu muito para o resultado final. Ter a contribuição de uma pessoa como ele é sempre um prazer!
Falando a respeito das letras, parece que vocês gostam de escrever sobre o espaço, a natureza e o universo, não?
Tore: As letras são um espelho de nossas vidas, personalidades, ideais e como nos refletimos a respeito do que está ao nosso redor. As letras são um equilíbrio e um distúrbio do que está dentro e fora de nossas vidas. E tudo isso também está conectado fisicamente com os meios. Natureza, corpo, universo. As histórias estão sendo ditas de dentro de nós. Nós falamos muito sobre estes assuntos diferentes, além da emoção particular do núcleo de cada música. Então Jorn e John ordenam todas as idéias. A maioria delas foi escrita e gravada na Alemanha e isto, mais uma vez, vem de encontro com o objetivo principal de nosso processo criativo, que é a espontaneidade. Posso citar como exemplo, a "Waking Hour", que teve a letra escrita e os vocais gravados justamente no dia em que os Palestinos declararam o "Dia da Ira" (N.R.: Declarado pelo grupo islâmico radical Hamas em protesto contra a ação do Exército israelense no dia 6 de outubro de 2000). Estas notícias abalaram a nossa atmosfera no estúdio e Jorn cantou com muita emoção, um sentimento que vinha de encontro com toda aquela situação do momento.
Sei que a distribuição do primeiro álbum não foi muito boa, mas como foi a receptividade do público e da mídia?
Tore: Nosso primeiro contrato de licenciamento na Europa foi algo bem estranho e tivemos que rescindi-lo, mas agora o álbum está sendo distribuído pela InsideOut. Entretanto, foi lançado na Ásia, Estados Unidos, Noruega e França por outras empresas bem mais fortes em termos de representatividade e que tornaram as coisas melhores. A “bola” começou a rolar!
Por que vocês relançaram o primeiro álbum com outra capa? Foi algum tipo de exigência da InsideOut?
Tore: Sim, e achamos que foi uma grande jogada, ainda mais porque gostei muito da nova arte da capa.
Ainda sobre os contratos de distribuição dos CDs, os álbuns são lançados na Europa pela InsideOut e na América e Austrália pela Favored Nations ou ainda existe uma outra gravadora?
Tore: Acredito que somente a América do Sul seja o território onde nossos álbuns ainda não foram lançados, mas as negociações estão a caminho. Por isso, a pessoa que estiver interessada aí no Brasil só poderá conseguir comprando a versão importada, através de diversas lojas virtuais. Além disso, existe uma série de varejistas na Internet que está vendendo nosso material. Gostaria de deixar bem claro que gostamos de trabalhar com total liberdade e por isso nós fundamos nossa própria companhia, a Trust Me Records, que licencia os álbuns para a Favored Nations (EUA e AUS), FaceFront (NOR), NTS (FRA), InsideOut (resto da Europa) e Marquee/Avalon (JAP e Ásia). O primeiro álbum saiu nos EUA pela Laser’s Edge. Acho que agora deu para ficar tudo claro (risos).
Como está o trabalho com o novo empresário, Paul Ewing? Ele está conseguindo abrir as portas para a banda ao redor do mundo?
Tore: Está sendo fantástico tê-lo em nosso time! Quando estávamos cuidando dessa parte empresarial, sempre ficávamos atolados de trabalho à medida que as demandas aumentavam. Queremos ficar ocupados somente com a arte, não com os negócios. Então, está sendo um refresco ter uma pessoa que cuide dessa parte para a gente, ainda mais um empresário como ele. Paul é um veterano nessa área, foi vice-presidente da Warner Music asiática por 18 anos. Ele sabe muita coisa da indústria musical e tem contatos em todas as partes do mundo. Estou certo de que ele abrirá muitas portas para a banda.
Atualmente você está morando na França. Como foi sair da Noruega?
Tore: A França é o país da Europa com mais ligação com o mundo das artes. Existe muita inspiração que posso buscar nessa cultura tão rica! O clima também é bem diferente do Norte da Europa e eles ainda tem uma comida incrível, bem como, um vinho fenomenal. Além disso, acho muito bem ir para diferentes lugares e fugir da mesmice. Eu ainda por cima encontrei minha adorável companheira nesse país...
Como foi o show no "Prog Power Festival", nos EUA? Você teve contato com Roy Khan, já que o Kamelot também tocou lá?
Tore: Aquilo foi muito engraçado para mim. Estar no palco com Roy do meu lado direito era comum para mim, mas esta foi a primeira vez na vida que eu vi sua performance de palco do lado de fora. Foi uma situação estranha. Roy é um dos meus melhores amigos e nos chegamos a morar juntos por dois anos antes de eu me mudar para a França recentemente. Quer saber mais? Nós estamos nos vendo muito mais agora do que na época em que fazíamos as turnês com o Conception. Há cerca de um mês eu fui a um show do Kamelot em Montpellier (FRA). Foi matador!
Você ainda tem intenção de fazer um projeto paralelo com Roy Khan? Qual a sua opinião sobre o Kamelot com ele nos vocais?
Tore: Na realidade nós já temos muito material composto para este projeto. Faz dois anos que trabalhamos em cima disso nas horas vagas. Quanto ao Kamelot, acredito que a banda deu um passo gigantesco quando Roy assumiu o microfone. Ele também é um grande compositor e moldou a banda da forma exata e coesa com esse som mais épico. Está sendo muito legal testemunhar a evolução da banda e ver Roy nessa posição de destaque. Este show em Motpellier foi realmente forte, com Roy totalmente a vontade no palco. Ele está com uma performance realmente matadora, assim como a banda.
Falando em Conception, você ainda tem contato com o baterista Arve Heimdal e o baixista Ingar Amlien?
Tore: Lógico, estamos sempre em contato. Nós sempre fomos e seremos grandes amigos. Ingar está trabalhando com sua nova banda, Crest Of Darkness. Acho muito interessante que três ex-músicos do Conception estão se estabiliazndo com suas novas bandas. Estivemos juntos por muito tempo, dividindo várias experiências e sempre seremos como uma família!
Você compôs quase todas as músicas do Conception. O que você sente quando ouve músicas como "Building A Force", "My Decision", "Under A Mourning Star", "Gethsemane", "Flow" e "Reach Out", que são muito diferentes do estilo do ARK?
Tore: Elas são diferentes mas, ao mesmo tempo, têm alguma semelhança com o ARK. Eu comecei a ouvir o Flow novamente e adorei este álbum! É muito raro eu ouvir os trabalhos que eu mesmo participei, mas redescobri este álbum e ele me cativou. É óbvio que a energia é diferente, os músicos são outros, mas eu gosto muito das duas bandas. É claro que eu tenho grandes lembranças quando ouço Conception.
Vocês gravaram um vídeo (VHS) do Conception na turnê do "Parallel Minds" num show de abertura para o Gamma Ray na Alemanha. Como foi a resposta dos fãs ao "Parallel Minds"? Acredito que a música mais saudada foi a "Roll The Fire", não?
Tore: Este foi o álbum que nos colocou em contato com todos os fãs de Metal ao redor do mundo. Foi uma época muito legal! Éramos bem jovens, inexperientes e totalmente empolgados. Um dia estávamos numa sala de um estúdio na Noruega e, de repente, nos vimos na estrada, viajando para tocar. Aquilo era a realização de nosso sonho, levar o nosso som para as pessoas! A música "Roll The Fire" se tornou mesmo bem popular em todos os clubes da Europa e acredito que tenha ido bem em todos os países. Aliás, a resposta dos fãs foi enorme, além das nossas expectativas!
Ainda sobre a "Roll The Fire", como foi trabalhar com Andreas Marschall, que produziu o videoclipe desta música?
Tore: Passamos muito frio. Era um dia típico de outubro e parecia que estávamos dentro de uma geleira no Norte da Alemanha. Andreas foi muito legal, ele ainda está produzindo vídeos?
Acredito que sim. Ainda sobre o Conception, é verdade que a banda acabou por causa das vendas do álbum "Flow"? Considero o "Flow" um grande álbum, mas ele foi incompreendido pelos fãs e a imprensa mundial, se comparado ao "Parallel Minds" ou ao "In Your Multitude".
Tore: Não foi esta a razão de nossa separação. Naquela época já estávamos juntos havia mais de dez anos e todos estavam ávidos por novas experiências. Comecei a trabalhar com John e gravamos a base do que seria o primeiro álbum do ARK em 1995. Eu estava pronto para iniciar o ARK, Ingar queria fazer algo na linha do Black Metal extremo, Arve juntou-se a uma banda de Hard Rock/Blues e Roy encontrou sangue novo no Kamelot. Ou seria o ‘Youngblood’ no Kamelot (risos). Aquele foi o momento ideal para que ocorresse a nossa separação e seguir caminhos diferentes.
No pôster promocional do "Flow" está escrita a frase; “Direto ao futuro”, mas eu acredito que o futuro seja mesmo o som que o ARK está fazendo. Você concorda que o ARK está longe dos modismos e não tem um estilo definido?
Tore: Não posso dizer que estamos ignorando modas e um estilo, porque sempre observamos tudo que está ao nosso redor, mas nós não fazemos um exame do que está ou não na moda quando estamos criando. A gente não liga para isso, nós fazemos música que soa do jeito que gostamos, sem querer saber se estamos sendo inspirados por um hit atual ou por alguma coisa do passado. O ARK é livre!
O vocalista Jorn Lande se juntou ao Masterplan, que conta com os ex-Helloween, Roland Grapow e Uli Kusch). Você acredita que isso possa atrapalhar o trabalho do ARK?
Tore: Não. Jorn nos explicou tudo de forma clara e disse que só gravaria o álbum com eles se as coisas não interferissem no trabalho do ARK e assim nós demos permissão. Todos nós estamos envolvidos com outros músicos em diferentes projetos. Vou falar de novo: o ARK significa liberdade (risos)!
Vocês irão começar a gravar o novo álbum do ARK em maio. Já existe alguma música pronta? Vocês irão manter o mesmo estilo do "Burn The Sun"?
Tore: John está vindo para a França e em breve iremos começar a compor as músicas para o novo álbum. Eu deverei me encontrar com Jorn na Noruega antes disso. Então, eu e Jorn iremos para Nova York nos encontrar com John. Esté será o método que faremos as novas composições. Acredito que entraremos em estúdio no começo do nosso verão. Estilo? Depende de como vai estar nossa disposição no momento (risos). Bem, é muito cedo para falar alguma coisa. Temos muitas novas idéias rolando mas, me desculpe, isso nem eu sei!
Você se apresentou no Brasil com o DC Cooper. Quais foram suas impressões sobre o país? Existe alguma possibilidade de realizar um show do ARK por aqui?
Tore: Foi uma experiência muito legal! Passei grandes momentos durante a semana que estive no Brasil! Os fãs são muito passionais e têm muita energia! Me encontrei com pessoas fantásticas, e me tornei um torcedor fanático pelo Corinthians! Os brasileiros parecem ser bem compenetrados a apaixonados no que estão fazendo e esta é uma grande qualidade! Eu poderia morrer por uma nova chance de me apresentar no Brasil. O mais cedo que o ARK chegar às mãos dos fãs no Brasil, melhor!
Você pretende incorporar alguns elementos e ritmos brasileiros ao som do ARK?
Tore: Tenho quase certeza que sim, já tenho muitas inspirações. Gosto muito da tensão e excitação na música e eu realmente gostaria de ir a fundo na cultura musical do Brasil. Gosto muito dessas batidas tribais!
Pelos lados do Metal, você gosta de alguma banda do Brasil?
Tore: O Sepultura gravou grandes álbuns e eu aprecio muito a maneira como eles incorporaram esses elementos da música folclórica brasileira ao som pesado, com seus riffs “colossais”. Não sou tão familiarizado com o som da banda depois da saída do Max. O Angra é outra grande banda de Metal progressivo do Brasil.
Entrevista publicada na edição #39 da revista ROADIE CREW (abril de 2002)
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