terça-feira, 2 de setembro de 2008

Arquivo Entrevista: CHRIS DREJA (The Yardbirds)

A banda inglesa The Yardbirds é uma das mais importantes da história do Rock, bastando citar que teve em seu line-up guitarristas geniais como Jeff Beck, Jimmy Page e Eric Clapton. Mas sua importância não se resume só pelo fato de ter tido músicos respeitados e cultuados em suas fileiras, pois o fato mais relevante é o de terem sido um dos desbravadores na cena do Rock nos anos 60 e gravado músicas que viraram clássicos, como For Your Love, Heart Full Of Soul, Shapes Of Things, I’m A Man, Over Under Sideways Down, Happenings Ten Years Time Ago, The Train Kept A-Rollin’, I’m Not Talking, entre outros. Além disso, o The Yardbirds chamava a atenção em seus shows, especialmente em sua “casa” - o Marquee Club, de Londres (ING) -, pois poucos mostravam tamanha energia e peso no palco na década de 60. Após trinta e cinco anos afastada, a banda lançou ano passado um novo trabalho de estúdio, Birdland, um verdadeiro presente aos fãs, pois traz composições inéditas em seu track list e regravações de clássicos. Além disso, o álbum conta com a presença de convidados ilustres, como Jeff Beck, Slash, Steve Vai, Brian May (Queen), Steve Lukather (Toto) e outros. Da formação original, estão o baterista Jim McCarty e o guitarrista Chris Dreja, além de Gypie Mayo (guitarra), Alan Glen (harmônica) e John Iden (baixo e voz). Na entrevista a seguir, Chris Dreja fala a respeito do retorno da banda e traça alguns paralelos sobre a década de 60 e a atualidade.

O que motivou o retorno do The Yardbirds à cena musical após trinta e cinco anos do último lançamento de estúdio?
Chris Dreja: Sacolas e sacolas de dinheiro! Não, estou brincando (risos). Bem que eu queria que fosse (risos). Mas, na realidade o Yardbirds nunca deu dinheiro e não é por isso que estamos de volta. O que ocorreu foi que no final dos anos 60, quando nos separamos, cada um tomou seu rumo, seja na música ou em outras áreas de atuação. Desta forma, não foi possível reunir os músicos para algo com a banda, pois um estava no Led Zeppelin, outro trabalhando com produção e outro atuando com fotografia. No meio dos anos 80 fizemos alguns álbuns como Box Of Frogs. Eu, Paul Samwell-Smith e Jim McCarty, mas não era o The Yardbirds e o trabalho contou com a participação de músicos como Rory Gallagher, Ian Dury e outros. Mas nos anos 90 os empresários do clube londrino Marquee Club entraram em contato conosco para tocarmos lá, já que temos uma forte ligação com o local. Eu queria muito tocar e aí reunimos o pessoal e foi quando redescobrimos a força de nossa música, que havíamos criado nos anos 60. Até então, não tínhamos grandes planos para continuar, mas eu e Jim começamos a conversar a este respeito e resolvemos reunir uma banda para fazer shows. Aí tudo começou a ficar evidente para nós, que deveríamos colocar o nome do The Yardbirds de novo na cena e no século 21, com a gravação de um álbum.

Como vocês assinaram com a gravadora do guitarrista Steve Vai, Favored Nations, para lançar o novo álbum, Birdland?
Chris: Como você deve saber, a indústria da música e os negócios mudaram muito desde os anos 60. Há uma enorme dificuldade atualmente para se assinar um contrato. Nós fomos procuradas por diversas companhias, mas elas não pareceram ser a coisa certa para nós e a escolha certa seria mesmo a gravadora de Steve Vai. Steve é um guitarrista fantástico e sempre se mostra solícito e interessado no trabalho de outros guitarristas. Ele ama a música e é um cara muito legal e justo. Desta forma, optamos por lançar o álbum pela gravadora dele.

Você citou bastante os anos 60, mas como analisa a evolução da música desde aquela época? Você viu de perto o surgimento de tudo, o início do Hard Rock, o surgimento do Heavy Metal...
Chris: Nós quebramos muitas regras, ultrapassamos várias barreiras sendo uma banda original. Nós tínhamos nosso estilo, a química para tocar e temos consciência de que a década de 60 foi um período bastante criativo para a música em geral na Europa. Eu venho de uma escola que trouxe nomes como Eric Clapton, Pete Townshend e outros. Nós não tínhamos fórmulas a seguir e tivemos que desbravar e fazer acontecer sem seguir regras ou coisas pré-estabelecidas. Nós criamos o que tínhamos em mente e a história se encarregou de colocar as fórmulas que temos hoje em dia, seja o Hard Rock, Punk, Heavy Metal ou Psychobilly. Eu sei que ajudamos de alguma forma a criar estes estilos que eu citei, mas é claro que naquela época não sabíamos nada disso. Agora sabemos de tudo (risos)! Hoje sabemos por onde caminhar e o que irão dizer, mas no início de nossa carreira isso era uma coisa, de certa forma, imprevisível.

Com relação ao desenvolvimento da tecnologia, como você compararia a gravação de um álbum em estúdio nos anos 60 com as várias possibilidades de equipamentos avançados que temos hoje em dia?
Chris: Olha, devo dizer que a diferença chega a ser algo inacreditável. Nos anos 60 éramos quase primitivos em alguns pontos. Costumávamos tocar muito mais ao vivo do que passar semanas trancados em estúdio para gravar. Fazíamos as gravações em horas. Por outro lado, se analisarmos friamente, veremos que todo aquele material gravado naquela época era brilhante em termos de criatividade, ainda mais se levarmos em conta o lado da inovação com aquele tipo de som que fazíamos.

Mas você se sente à vontade em usar a tecnologia a seu favor ou prefere trabalhar à moda antiga?
Chris: Para lhe ser honesto, no início eu achava tudo muito difícil mexer com essas coisas de computador. Muitas coisas são mais complicadas de se fazer e certas vezes até são frustrantes. Mas, neste novo álbum, trabalhamos com o produtor Ken Allardyce, que é de nossa geração, mas também se envolveu com nomes como o Goo Goo Dolls, Fleetwood Mac e outras bandas muito boas. Entre nós, desenvolvemos uma forma de trabalho que a tecnologia foi usada a nosso favor, mas sem comprimir nosso som e sim deixar com que a nossa energia e criatividade fossem tolhidas por causa destes avanços em equipamentos modernos. A energia e criatividade são elementos necessários para o som do The Yardbirds. Muita coisa foi feita ao vivo em estúdio e gravadas em sistema analógico. Daí, passamos para o sistema digital. Foi um misto de várias técnicas e sistemas.

Então o trabalho ao lado do produtor Ken Allardyce foi aprovado? Como analisa o resultado final de Birdland?
Chris: Foi totalmente aprovado. O resultado final e o trabalho com ele em estúdio foram muito bons! E Ken nos conhece faz muito tempo, pois ele esteve presente em um evento chamado “Beatles Christmas Show”, que foi realizado no natal de 1965, no Hammersmith, em Londres (ING). Ele se tornou nosso fã desde então e desta forma foi um trabalho prazeroso e feito com paixão, tanto para ele como para nós. Como Ken estava familiarizado com o equipamento novo e nós não estávamos, ele fez um trabalho brilhante, balanceando as diferentes formas do uso dos equipamentos e da tecnologia moderna. Resumindo, ele conseguiu transpor nossa personalidade para as máquinas. Tanto as regravações das músicas antigas quanto o material inédito refletem a essência da banda, porém com uma produção melhor e uma mixagem perfeita, algo que não conseguíamos nos anos 60.

Falando em personalidade, como foi o processo de composição das músicas inéditas para o Birdland, visto que havia este hiato de mais de trinta anos sem o lançamento de um trabalho novo da banda? O sentimento na hora de compor foi o mesmo?
Chris: Nunca é bom vermos por este lado do tempo entre os lançamentos, pois não iríamos nos sentir tão à vontade (risos). Sentimos para este álbum que deveríamos ser honestos conosco ao invés de pegar uma influência em particular ou de tentar seguir coisas mais modernas. Quisemos fazer tudo como se estivéssemos ainda nos anos 60. Desta forma, com o auxílio da tecnologia, acabou saindo como um The Yardbirds revigorado. Queríamos que a música tivesse a mesma integridade do passado e tudo aquilo que fez da banda um nome de respeito na música. Claro que os arranjos deveriam ser identificáveis com nosso estilo, não só para nossos antigos fãs, mas também com a preocupação de adquirirmos novos.

Você considera então o The Yardbirds como uma banda sem regras e sem limites na hora de compor?
Chris: Sim! O The Yardbirds sempre será bem eclético. Em sentido amplo, vejo que quando uma banda consegue sucesso com uma fórmula, ela fica repetindo-a ou variando em cima daquilo. Eu acredito que ser versátil e eclético seja muito mais interessante, até mesmo quando se toca ao vivo, porque no palco você pode experimentar se assim desejar. Podemos estar tocando algo próximo do Heavy Metal e em poucos instantes o som pode cair para um Canto Gregoriano. Nos sentimos bem fazendo isto e é assim que as pessoas desejam ver a nossa banda.

Então por que resolveram regravar os antigos hits, como a música For Your Love, por exemplo?
Chris: A razão para isto é simples. Tiramos um longo período de férias, que foi entre 1967 até 2003 e assim sentimos que muitos clássicos dos Yardbirds ainda são relevantes para a música hoje em dia. Assim, decidimos reintroduzir nosso som ao século 21, não apenas para aqueles que nos seguem desde o início, mas também para aqueles que nos conheceram depois e os que poderão vir a gostar da banda daqui para frente. Foi então que quisemos dividir mais ou menos o álbum em metade de músicas novas e a outra com a regravação de nossos clássicos.

Quais foram as principais mudanças que vocês fizeram nas regravações dos clássicos em relação às versões originais?
Chris: Tudo está perfeitamente no lugar certo, mas o som está mais poderoso. Fomos honestos ao formato original e não me pareceu certo mudar drasticamente. Por exemplo, na participação do Slash, nós apenas aumentamos algumas partes para dar aquela alma Rock'n'Roll que é peculiar dele, e assim combinou com a música original e com o estilo do Slash. Esta foi nossa preocupação! Na For Your Love, nós chegamos a fazer algumas mudanças, mas foram poucas, pois queríamos manter sua integridade e trazê-la para os moldes do Rock atual.

Você citou a participação do Slash, mas como vocês entraram em contato com os outros convidados especiais, como Steve Vai, Brian May, Joe Satriani e Steve Lukather?
Chris: Na realidade entramos em contato com alguns e outros vieram atrás de nós quando souberam que o projeto estava sendo realizado. Por exemplo, com Brian May, nós o convidamos após um show que fizemos no Royal Albert Hall, em Londres, na turnê de 2001. Ele sempre foi nosso fã e sua música favorita dos Yardbirds era a Mr. You're a Better Man Than I. Assim, tudo foi se encaixando de forma perfeita e eu acredito que estaríamos até hoje gravando fosse pelas pessoas que se mostraram interessadas em participar. Só que tivemos um dia tivemos que parar (risos).

Como foi trabalhar novamente com Jeff Beck?
Chris: Com ele é sempre uma experiência natural para nós. Quando Jeff soube que estávamos fazendo a pré-produção do álbum, ele gentilmente nos convidou para irmos ao seu próprio estúdio e fazer todo o processo de pré-produção lá. Aí ele disse que queria participar em alguma faixa e acabou fazendo um ótimo trabalho em uma das músicas novas, a My Blind Life. Jeff é verdadeiramente um gênio na guitarra e obviamente todos sabem da grande importância que ele teve para o trabalho da banda na época em que esteve no Yardbirds. Trabalhar com ele novamente foi um prazer!

Sabemos da importância de Jeff Beck, mas o The Yardbirds teve em seu line-up mestres como Eric Clapton e Jimmy Page! Vocês chegaram a cogitar a participação destes guitarristas no Birdland?
Chris: Não, porque nunca tivemos a intenção de unir os guitarristas originais para refazer uma coisa que já tinham feito com tanta competência e daquela forma brilhante como fizeram na época. Seria uma coisa tão pequena fazer com que eles apenas regravassem suas partes que preferimos pegar outros músicos. Quisemos colocar músicos da nova geração para que eles expressassem suas técnicas e sua criatividade, resultando em algo único. É por isso que Jeff Beck toca em uma música nova e não refez nada que já tinha feito.

Como você vê o desenvolvimento da guitarra ao longo dos anos e das técnicas criadas por músicos como Ritchie Blackmore, Edward Van Halen, Yngwie Malmsteen, Steve Vai e Joe Satriani?
Chris: A guitarra é um instrumento que teve uma evolução impressionante, com músicos criando diversos estilos e desenvolvendo novas técnicas. Estes músicos que você citou são brilhantes! Os guitarristas que participaram em nosso álbum deram uma pequena amostra de sua capacidade e contribuíram muito para o resultado final de cada faixa que gravaram. O solo de Brian May é uma pura interpretação de seu estilo, mas combinou de forma perfeita com o estilo do The Yardbirds.

Falando sobre os guitarristas Jimmy Page e Jeff Beck, quando eles estavam na banda você trocou a guitarra base e foi para o baixo. Como foi esta transição para você?
Chris: Eu adoro tocar baixo e nunca fui um guitarrista solo, ainda mais se você levar em conta que a banda tinha estes dois exímios guitarristas! Gosto de estar envolvido com os arranjos e com a parte rítmica da música e por isso esta transição não foi nada problemática, ainda mais que quando tocávamos ao vivo o som era tão pesado que poderia ser chamado de Heavy Metal. A coisa mais interessante é que quando Jimmy Page entrou na banda ele ficou com o posto de baixista. Ironicamente, com a minha ida para o baixo, tendo dois virtuosos na guitarra não deu muito certo, porque Jeff Beck sentiu que seu espaço estava sendo, de certa forma, invadido. E mesmo com a excelente performance do single Happenings Ten Years Time Ago, que é uma mostra genial da genialidade destes dois guitarristas, aquele line-up não funcionou tão bem ao vivo.

Muitas bandas de Rock, Hard Rock e Heavy Metal citam o The Yardbirds como influência. Como você vê isto?
Chris: Eu fico honrado que nos tratem desta forma. Quando encerramos as atividades o tempo passou e nosso nome entrou na história, por termos quebrado as regras musicalmente. Fico lisonjeado quando descubro que algum músico começou a tocar depois que escutou um álbum do The Yardbirds. É brilhante! Por isso eu digo que hoje em dia é praticamente impossível ser totalmente original, basta reinterpretar o que já foi feito. Tivemos muita sorte de surgir naquela época, pois se começássemos hoje talvez iríamos copiar o estilo de outros.

Por que o The Yardbirds encerrou as atividades naquela época?
Chris: A banda permaneceu na ativa por cinco anos e você deve saber que todos os pioneiros estavam na música não pelo dinheiro ou por altos contratos. Os shows eram bem complicados, as turnês difíceis pela dificuldade da viagem e fazíamos talvez uns 500 shows por ano! Nós éramos jovens, mas estávamos totalmente esgotados! E, além disso, nós deixamos passar aquele período de descanso e também da tranqüilidade nos períodos de gravação dos álbuns. Não ficamos meses ou até um ano quando estávamos gravando nossos trabalhos. Isto levou a banda a dar um tempo no final dos anos 60.

Quando isto ocorreu você começou a se envolver com a fotografia. Como você se sentiu nesta área?
Chris: Eu sempre tive duas grandes paixões na vida, a música e a fotografia. Senti que as duas coisas eram totalmente compatíveis e mesmo quando ainda estava com a banda eu fazia fotos para revistas e meus trabalhos. Sempre me senti afortunado por isto.

Você sabia que o guitarrista alemão Wolf Hoffmann seguiu o mesmo caminho da fotografia quando o Accept se separou?
Chris: Não sabia, mas este ‘crossover’ no mundo das artes é bastante interessante. Muitos músicos trabalham com arte, fotografia, pintura ou como escritores e poetas. Estas formas de expressão, junto com a música, parecem caminhar bem juntas. E não se esqueça que eu venho da ‘British Art-School Experiment’ no início dos anos 60, assim como Pete Towshend. Por isso, não me surpreendo quando fico sabendo que determinado músico tem outra habilidade artística.

Como está a agenda de shows do The Yardbirds no momento? E quanto a receptividade do público?
Chris: No momento temos shows marcados apenas no Reino Unido. Nossa agenda para 2004 ainda não está fechada. Mas já passamos pela Alemanha, França, Itália, Espanha, Grécia e pretendemos continuar tocando este ano. Temos grande satisfação em tocar! A resposta vem sendo muito boa e eu estou tocado com tamanho carinho dos fãs. Esta foi uma das razões pela nossa volta. Estou gostando muito de estar na ativa não só porque estamos revendo nossos antigos fãs, os seguidores, mas também pela presença de uma nova geração nos shows. Em muitas ocasiões quase não nos deixam sair do palco e querem sempre ouvir mais e mais músicas. As pessoas que nos seguem desde os anos 60 também costumam me dizer que agora nossos shows estão melhores, porque o som dos PA’s é muito melhor. Antigamente eu sempre me senti como se fizesse parte de uma ‘guitar band’, porque nunca escutava o vocal nos shows (risos). Felizmente isto mudou!

E quanto a tocar no Brasil, existe a possibilidade?
Chris: Eu adoraria tocar no Brasil! É um território que ainda não fomos e seria muito bom para a banda. Além do público entusiasmado e fiel, vocês têm um café dos melhores. O que eu mais poderia querer? (risos). Vamos ver se algo acontece esse ano, porque a chance existe. Nós estamos dispostos a ir. Melhor seria se fôssemos no verão ou com sol (risos).

Entrevista publicada na edição #61 da revista ROADIE CREW (fevereiro de 2004)

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