sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Quando não era normal ir a um show em estádio

Toda vez que passava na frente da loja de roupas Casas Priba - Artefatos e de Tecidos Ltda., que ficava na esquina da rua José Bonifácio com a Senador Paulo Egídio no Centro de São Paulo, via na vitrine uma jaqueta de couro preta e ficava me imaginando usando-a. Só que não havia meio de fazer meu pai comprá-la. A amizade dele com o dono da loja, o polonês Seu Miguel, me fez ficar mais animado e na esperança de que enfim iria conseguir minha primeira jaqueta para colocar os 'buttons' do Black Sabbath, Scorpions e AC/DC que havia comprado na Woodstock Discos, famosa loja que também ficava na rua José Bonifácio. Por sinal, toda vez que ia na Woodstock eu passava pela Casas Priba e perguntava ao Seu Miguel se aquela jaqueta tinha sido vendida. A resposta era sempre a mesma: "Ainda não garoto, ela está esperando por você". A ansiedade só aumentava. Afinal, qual bom fã de Metal/Rock anda sem visual?

Quando houve o anúncio do show do Kiss no Brasil dei o ultimato, inventando algo que pudesse ter mais impacto: "Pai, se eu não for no show do Kiss com uma jaqueta de couro podem me bater. Não existe roqueiro que não tenha uma jaqueta preta e eu vi vários caras tomando uns tapas no show do Van Halen no ginásio do Ibirapuera. Só que o do Kiss será muito maior: no estádio do Morumbi!". Pronto. Consegui convencê-lo e saí todo contente da loja do Seu Miguel com a minha jaqueta de couro preta. Aquilo parecia minha armadura de super-herói e fazia-me sentir mais adulto e com uma postura mais 'rocker'. O problema é que com treze/quatorze anos de idade você pode ter a jaqueta de couro que quiser, mas ainda é muito novo para tomar as decisões sozinho. A partir daí uma segunda batalha se iniciava. Eu precisava convencer meus pais a me deixarem ir ao show do Kiss no estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi.

O cenário nacional do Rock pesado era bem atrasado e para as bandas estrangeiras de Heavy Metal/Hard Rock o Brasil sequer existia no mapa. Após a vinda de nomes como Alice Cooper em 1974, Genesis em 1977, Queen em 1981 e Van Halen em janeiro de 1983, o primeiro megashow repleto de efeitos pirotécnicos que os brasileiros efetivamente iriam conferir seria justamente o do Kiss. Todos queriam ver de perto aquele circo. Seria uma aventura inesquecível e eu disparava meus argumentos todos os dias em casa. "Pai, sou fã do Kiss e vou no Morumbi toda semana com você nos jogos do São Paulo desde 1975! Portanto, estou acostumado a ir no estádio e show de Rock não tem briga de torcida". A resposta dele era simples: "Como você sabe se não tem perigo se nunca foi a um show em estádio?". Eu rebatia: "Você não lembra do Queen no Morumbi, que até você elogiou?". E ele respondia: "Elogiei o Queen e o Frank Sinatra quando tocaram em estádios, mas esse Kiss é diferente. Vamos ver...". A "batalha" para convencer o Dr. Batalha prosseguia...

As reportagens sensacionalistas antes da vinda do quarteto mascarado, que àquela altura contava com Paul Stanley, Vinnie Vincent, Eric Carr e Gene Simmons, só atrapalhavam. Fanáticos religiosos acusavam a banda de satanista, enquanto outros juravam que o Kiss "matava pintinhos" e sacrificava animais no palco. Isso sem contar nos comentários mirabolantes a respeito da língua de Gene Simmons e sobre a origem do nome do grupo. Todavia, para quem já era fã aquilo era ainda mais desafiador.

A declaração de Gene Simmons chamando a todos para ver "a banda mais
barulhenta de Rock do mundo" e o desafio de "quem não gostar é porque está velho" caiu como uma luva para nosso pequeno grupo de fãs de Rock/Metal do colégio Liceu Pasteur, entre os quais Stélio Neto, Marcelo Trevisan e Alexandre Campedelli. Nos unimos para tentar um jeito de organizar uma pequena caravana rumo ao show. Posteriormente, meu primo João Claudio também se juntou a nós, enquanto Campedelli decidia se ia mesmo conosco. Porém, faltava "apenas" solucionar outro grande problema: como iríamos ao Morumbi? A solução foi dada pelo ex-funcionário do escritório do meu pai de apelido Totó, que disse que nos levaria ao show, assegurando aos pais e familiares daquela "caravana" que tomaria conta de todos. A única condição imposta pelo Totó foi proibir a ida do meu irmão Frederico, que estava com apenas dez anos de idade, pois ele temia algum problema com o juizado de menores e com a situação delicada de levar uma criança a um megaevento. Apesar de bem novo, meu irmão também tinha sua jaqueta de couro preta. Engraçado foi que o próprio Totó entrou na nossa e comprou a sua jaqueta de couro na mesma Casas Priba, segundo ele "para não ficar tão fora do contexto dos roqueiros". Stélio, por sua vez, adquiriu uma camiseta do Tygers Of Pan Tang não sei onde, mas aquilo era algo inimaginável para a época.

Como tinha sete cativas do Morumbi, eu, Stélio, Trevisan, João Claudio e Totó compramos os ingressos especiais daquele setor do estádio e ficamos na maior expectativa. Nos intervalos entre as aulas do Liceu Pasteur só tínhamos um assunto: o show do Kiss! Quem vivia ao nosso lado não aguentava mais aquele assunto, mas diariamente fazíamos a mesma coisa. Ouvíamos o Creatures Of The Night, falávamos da forma mais inocente sobre o show e ignorávamos os conselhos dos mais velhos, que a cada dia se mostravam mais preocupados com o que viam sobre o Kiss na mídia brasileira.

A promoção do álbum Creatures Of The Night (1982) foi intensa no Brasil, onde conquistou disco de ouro. Antes e depois dos shows saíram diversas matérias em jornais e revistas como Som Três, Manchete e Mistura Moderna. Isto ajudou a difusão do Heavy Metal pelo país e muitos que hoje em dia são aficionados pelo estilo começaram a conhecê-lo naquela época.

A música I Love It Loud virou hit de rádio e o videoclipe passava com frequência na televisão em programas como "Som Pop" (TV Cultura), além de ter sido exibido com destaque no "Fantástico" (Rede Globo). Outras faixas de Creatures Of The Night, como Killer, War Machine, a intensa balada I Still Love You e a pesada faixa-título, também obtiveram boa receptividade do público, mas nada que pudesse rivalizar com o "fenômeno I Love It Loud". Todos sabiam cantar a entrada ('Eh, eh, eh, eh, yeah') e o refrão ("Loud, I Wanna Hear It Loud, Right Between The Eyes..."). Mesmo quem não gostava da banda e sequer tinha contato próximo com o Rock pesado inconscientemente sabia cantá-la.

Só que internamente as coisas no Kiss não iam bem. A banda soube "mascarar" por aqui o seu o período de baixa nos EUA, pois a "Creatures Of The Night / 10th Anniversary Tour" não vinha arrancando suspiros na terra natal do quarteto. O baterista Peter Criss já havia cedido o posto a Eric Carr havia algum tempo e o guitarrista Ace Frehley passava por sérios problemas com o álcool e as drogas. Apesar de aparecer na foto da capa de Creatures Of The Night, Ace foi substituído por Vinnie Vincent, que gravou algumas guitarras e backing vocals para o disco. Ao ser efetivado, Vinnie recebeu sua própria maquiagem (com a dourada cruz egípcia Ankh no rosto) e adotou a alcunha de 'Warrior'.

O saldo final da "Creatures Of The Night / 10th Anniversary Tour" pode não ter sido dos melhores, mas os shows no Rio de Janeiro (Maracanã, 18 de junho) - recorde de público da banda com 130 mil presentes -, Belo Horizonte (Mineirão, dia 23) e São Paulo (Morumbi, dia 25) acabaram sendo os últimos com o quarteto usando as famosas maquiagens. Nossa pequena "caravana" de fãs estava lá pulando e agitando na cativa do Morumbi ao som de hinos como Detroit Rock City, Calling Dr. Love, Firehouse, I Want You, Cold Gin, God Of Thunder, Love Gun, Shout It Out Loud, Black Diamond e Rock And Roll All Nite. Cantamos todas as novas do Creatures Of The Night, da abertura do set com a faixa-título, passando por War Machine, a balada I Still Love You e o hino I Love It Loud, executado duas vezes (quinta música do set list após Cold Gin e no primeiro bis), fato até então inédito num show do Kiss. Ainda tomamos um susto quando "estourou" o canhão da bateria em formato de tanque de Guerra de Eric Carr (a cara de susto do Totó e o seu desabafo - "Puta que o pariu, onde vim parar?!" - resumem bem aquele momento); vibramos com o sangue artificial e as peripécias de Gene Simmons; a performance de palco energética de Paul Stanley e o solo à la Eddie Van Halen de Vinnie Vincent. No final, saímos de alma lavada.

Antes de voltar para casa fomos comer um lanche no New Lareira's, onde nosso "guardião" Totó havia sido garçom durante muitos anos até ir trabalhar no escritório de advocacia do meu pai. O assunto? Obviamente, o show do Kiss! Alguns reclamaram da qualidade de som, que realmente não foi das melhores, e do local distante que estávamos, mas aquilo que vimos foi impactante e marcou nossas vidas. Estivemos lá e era isso que importava, pois aquilo foi como a nossa independência. Pessoalmente achei a experiência muito diferente de ir ver um jogo de futebol no Morumbi. Há semelhanças, como a vibração da torcida na hora da entrada do time e no momento do gol, mas o ambiente ao redor e dentro do estádio num show é outro. Depois deste dia, toda vez que ia a um jogo do São Paulo eu lembrava do show do Kiss.

Após a passagem pelo Brasil a banda ainda se manteve na mídia. A Rede Globo de Televisão apresentou um especial com o show do Rio de Janeiro e um documentário bizarro, com os repórteres fazendo aquelas perguntas condizentes com o "padrão Global", especialmente quando se trata de shows de Rock pesado. Nunca vou me esquecer da imagem do grupo de crentes e fanáticos religiosos que tentou impedir a entrada do público ao estádio do Maracanã. Não sei se eram os mesmos que distribuíram um comunicado antes de nossa entrada no Morumbi, alegando que o show era um culto ao demônio e que Kiss não significava "Beijo", mas Kids In Service Of Satan (Crianças a Serviço de Satã). Naquele comunicado a música Hell's Bells do AC/DC também era citada. Coincidentemente, antes do show de São Paulo o álbum Back In Black do AC/DC foi tocado repetidas vezes até a entrada do Kiss no palco.

Outro documentário interessante foi "Quem Kiss Teve", dirigido por Tadeu Jungle (apresentador do programa "A Fábrica do Som"), Walter Silveira e Paulo Priolli, que foi apresentado pela primeira vez no "1º Festival Videobrasil" em agosto de 1983 e depois acabou passando na TV Cultura. O vídeo de pouco menos de 30 minutos mostrou o outro lado do evento, com entrevistas pra lá de curiosas com fãs, cambistas, policiais, camelôs e a de um vendedor ambulante que estava vendendo um "sanduíche de molho de calabresa". Outro entrevistado era um sujeito que estava vendendo um pão com mortadela aparentemente vistoso, mas que quando se abria o pão havia apenas metade de uma fatia de mortadela, justamente a que aparecia por fora. A banda também foi entrevistada no backstage, mas o documentário explorou mais o caos e o acaso que rondam um evento de massa.

O fervor da estadia do
s quatro mascarados no Brasil foi capaz de fazer o cenário nacional crescer. A partir daí vários espaços se abriram para a música pesada e os festivais de Rock se espalhavam por colégios, teatros e espaços cedidos pelas prefeituras. Dois anos após a passagem do Kiss, o festival "Rock In Rio" colocaria definitivamente o Brasil na rota dos grupos estrangeiros e seria outro marco da expansão da música pesada por aqui.

Vídeos relacionados:
"Kissology - Volume II 1978-1991" (DVD, 2007): Disco 3 traz o show no Maracanã, Rio de Janeiro/RJ (TV Globo);

"Quem Kiss Teve" - Documentário, 1983.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

"I Love Rock And Roll"

O ano de 1982 contou com grandes decepções, ínfimas perto do falecimento do meu avô Rosito, mas que foram marcantes. Meu irmão Frederico e eu passamos o primeiro semestre colecionando as figurinhas do álbum "Ping-Pong - Espanha 1982", mas sofremos um baque tremendo com uma das melhores seleções do Brasil de todos os tempos perdendo aquele jogo histórico para a Itália, por 2 x 3, realizado a 5 de julho, no Estádio Sarriá, em Barcelona. Também no segundo semestre, o São Paulo Futebol Clube buscava o tricampeonato Paulista, mas nosso time acabou derrotado pelo Corinthians, que nossa mãe Edí torce fervorosamente, nas duas finais (0 x 1 no dia 08/12 e 1 x 3 no dia 12/12).

O mais incrível nestas situações é que todos davam como certa a classificação do Brasil para a final do Mundial de 1982, vencido pela Itália de Dino Zoff, Scirea, Conti, Antognoni e Paolo Rossi, o eterno algoz do Brasil. No âmbito caseiro, o São Paulo já havia perdido em 12/09 por 0 x 2 para o Corinthians, mas havia superado-o duas vezes em outras fases do Paulistão daquele ano (1 x 0 em 13/11 e 3 x 2 a 05/12). Só que nas finais deu mesmo a Democracia Corintiana de Sócrates, Wladimir, Casagrande, Biro-Biro, Zenon... Tudo bem, são coisas do futebol, mas que machucam eternamente.

A fase negra ainda não havia terminado. Em dezembro, o momento era de enorme tristeza, com minha família tentando se reerguer frente a perda de um ente querido. Na festa de Natal, a abertura dos presentes aliviou um pouco a situação amarga e delicada. Quando ganhei meu primeiro walkman, um Unisef (Stereo Boy TU-22) pesado e que precisava de quatro pilhas pequenas para funcionar, fiquei tão contente que passei a admirar ainda mais o meu avô (na foto ao lado junto comigo no bar do Ipê Clube).

Falecido a 20/12, dias antes daquele Natal de 1982, devido a um câncer no pulmão, vô Rosito conseguiu nos contentar com presentes condizentes com os gostos de cada um da família. Dentro do pacote em que veio o meu walkman Unisef estava uma fita cassete com uma coletânea, na qual a primeira música era "I Love Rock And Roll", de autoria da banda inglesa The Arrows, mas que havia virado um grande hit de Joan Jett. A ex-The Runaways gravou-a em seu segundo álbum, "I Love Rock And Roll", o primeiro como Joan Jett & The Blackhearts. O disco saiu em dezembro de 1981, coincidentemente um ano antes da morte do meu avô.

"I Love Rock And Roll", o disco, é até hoje o mais bem sucedido da carreira de Joan Jett, tendo vendido mais de dez milhões de cópias. Já a música-título obteve altas posições nos charts dos EUA e o quarto posto na parada britânica. Porém, o que mais me deixou intrigado era como meu avô Rosito, além de estar lutando para viver, tinha consciência de que eu gostava daquilo. Ele tinha costume de comprar os presentes muito tempo antes do Natal e guardá-los em casa. Mas aquilo não intrigou só a mim, como também minha tia Hortênsia. Ela se sentiu feliz e orgulhosa com a visão futurista do meu avô. "Como será que ele anteviu e pensou nisso?", perguntou-me ela. Bem, até hoje não encontramos as respostas, mas de todos os meus familiares que se foram, quem mais aparece em meus sonhos é justamente meu avô Rosito.

Assim como prefiro sempre falar Heavy Metal, e não Rock And Roll, como alguns amigos meus, entre eles Paulão Thomaz (Baranga, Centúrias) e Fábio Macarrão (Sleevers), não tenho costume de vibrar muito em baladas de Classic Rock. Nestas, as bandas "cover" tocam sempre os mesmos hits, mas toda vez que escuto "I Love Rock And Roll", o sentimento muda. Pode ser que a animação venha de forma inconsciente por me lembrar daquela fita cassete e do walkman Unisef, mas se fico estático quando tocam as "carnes de vaca", com aquele pensamento "De novo essa?!", o mesmo não ocorre com a música eternizada por Joan Jett.

Anos depois de ter ganhado aquele primeiro walkman, que guardo até hoje e funciona perfeitamente, ganhei o meu grande sonho de consumo até então: um walkman Broksonic, que gravava e tinha caixas externas. A primeira fita que coloquei para rodar? Claro, aquela coletânea com "I Love Rock And Roll"...

domingo, 25 de janeiro de 2009

Arquivo RB (Entrevista: WARLOCK)

O INÍCIO DA CARREIRA DE DORO PESCH
A vocalista alemã Dorothee Pesch, 45 anos de idade, começou sua carreira no Snakebite, mas logo se juntou a músicos de sua cidade, Düsseldorf, formando o Warlock, uma das bandas mais cultuadas em todos os tempos. Ao lado dos guitarristas Rudy Graf e Peter Szigetti, o baterista Michael Eurich e o baixista Frank Rittel, Doro lançou seu primeiro álbum no final de 1983, Burning The Witches, pela gravadora Mausoleum. Com a boa receptividade, conseguiu um contrato com a Phonogram/Vertigo e gravou Hellbound, que novamente obteve destaque na cena. Ao longo dos anos o line-up da banda foi alterado, mas os álbuns continuavam tendo destaque, especialmente Triumph And Agony (1987), no qual Doro estava acompanhada por Niko Arvanitis e Tommy Bolan (guitarras), Michael Eurich (bateria) e Tommy Henriksen (baixo). Após passar por problemas com respeito ao nome Warlock, Doro decidiu seguir em carreira solo, passando a dividir seu tempo na Alemanha e nos Estados Unidos.

No começo de sua carreira você fazia parte de uma banda chamada Snakebite. Vocês chegaram a lançar algum álbum com esta banda?
Doro Pesch: Chegamos a gravar vários Demo-Tapes, mas não um álbum. Infelizmente todo este material sumiu. Na época eu não tinha aquela preocupação em guardar este tipo de material. Era uma banda normal, mas foi um bom começo. O estilo da banda era um pouco parecido com o do Warlock.

A Mausoleum Records lançou o primeiro álbum do Warlock, Burning
The Witches, mas o que aconteceu com esta gravadora depois disto? Eles tinha outras boas bandas no cast mas nunca chegaram a ter uma grande visualização no mercado, concorda?
Doro: Sim, eles tinham mesmo. Para nós foi bom ter lançado o primeiro álbum, mas as pessoas que trabalhavam na gravadora só olhavam para aquilo como um negócio, eram um pouco enrolado. Não vimos a cor do dinheiro e inclusive me lembro que tivemos até que pagar algumas despesas com nosso próprio dinheiro, como algumas sessões de fotos e a arte do álbum. Não me importo muito com isso agora, mas isto não pode mais acontecer! Como é que as bandas novas irão conseguir realizar seu sonho? Naquela época, só a chance de ter um disco no mercado já era bom, mas que o negócio não era profissional isto eu não tenho dúvida. Era uma coisa bem underground.

Por outro lado a receptividade dos fãs parece ter sido muito boa, inclusive no Brasil. Me lembro que muitas pessoas gravavam fitas K-7 e sempre faziam questão de incluir a música Metal Racer!
Doro: (risos) Nossa, isto é muito legal. O álbum foi muito bem recebido e tudo era muito novo para mim. O Metal estava começando mesmo a crescer e nós chegamos a tocar por toda a Europa. De alguma forma éramos consideramos como uma revelação e, na verdade, eu não sabia a razão. Eu tinha consciência de que era difícil comprar o nosso disco, porque em muitos países era bem caro, mas sempre existem aqueles fãs que saem em busca de novidades e nós, de alguma forma, atingimos este público e ficamos conhecidos. Nessa época também era muito comum o mercado paralelo de fitas K-7 e daí o nosso nome se alastrou. Como os tempos mudam, hein? (risos). Mesmo assim não tivemos um suporte na época para fazer shows em outros países, incluindo o Brasil. Foi uma fase memorável, larguei o meu trabalho e decidi que iria viver de música pelo resto da vida.

Naquela época não era tão comum assim ter uma ‘frontwoman’ numa banda. As mais famosas eram Lita Ford, Joan Jett e a banda feminina Girlschool. Depois do Warlock, tivemos o surgimento do Bitch, Sacrilege, Sentinel Beast, Rock Godess e outras. De alguma forma você se sente responsável por encorajar mais mulheres a cantar numa banda de Metal?
Doro: Não, esta honra definitivamente não pertence a mim porque eu não separo as coisas. Para mim não tem a menor importância se é um homem ou uma mulher que está cantando. Sempre lutei muito por meus ideais e aprendi muita coisa a respeito da indústria musical. Adoro música em geral e estou apta a fazer qualquer coisa e quem pretende trabalhar com música deve ter consciência disto. O que mais importa é sua convicção, acreditar no que está fazendo, ser o primeiro a apreciar seu próprio trabalho. Se é difícil para um homem, assim o é para uma mulher. Se a voz é legal e a pessoa canta bem, não há razão para fazer uma distinção. Sei que a parte visual é diferente e gosto de saber que muitas mulheres estão se dando bem também, mas sempre me achei igual aos meus companheiros de banda, todos éramos como irmãos. Bem, neste caso eu era a irmã deles (risos).

Quais são suas impressões sobre as bandas que tem mulheres no vocal, como o Lacuna Coil, Nightwish, The Gathering, Holy Moses, Theatre Of Tragedy?

Doro: É muito legal! Quando tinha uns 10 anos de idade eu era muito fã da Janis Joplin. Por muitos anos ela foi a minha vocalista preferida. Mas, eu acho incrível esta grande quantidade de mulheres cantando, e bem, vários estilos de Metal. Todas elas têm muita personalidade, pois hoje em dia não é fácil trabalhar e ser reconhecido. Gosto muito quando uma mulher canta de forma intensa, força, passa sua mensagem e tem carisma. Acho que todas estas que você falou conseguem transmitir uma seriedade, nada é falso no trabalho delas e isto é também importante. Estas bandas que você citou, felizmente, estão conseguindo um bom espaço na cena.

Para gravar o Hellbound, o Warlock contou com uma produção bem superior. Isto foi possível por causa do novo contrato com a Phonogram/Vertigo?
Doro: Sim, tivemos muito mais tempo para trabalhar para este álbum. O co-produtor do Burning The Witches foi o responsável pelo nosso ingresso na Phonogram, pois enviou um Demo-Tape nosso para um manda-chuva da companhia. Aquilo foi interessante, porque eles mandaram um contato da gravadora para nos analisar e o cara não era um fã de Metal, mas sim um típico executivo. Mesmo assim ele acabou nos ajudando porque depois que viu nosso show no clube Dynamo, na Holanda, além de ficar surdo mostrou-se bastante surpreso com a nossa performance e deu excelentes indicações a nosso respeito para seu chefe, Louis Birman. Assim, fomos contratados. Gravamos o álbum num bom estúdio em Munique (ALE), que custou bem caro e sei que mesmo se perdemos um pouco nosso espírito agressivo de uma banda novata, a produção ficou muito melhor e o som manteve-se num bom nível para os fãs. Eu gosto muito do Burning The Witches, pois ele foi gravado em apenas três dias. Já o Hellbound levou quase seis meses.

O Hellbound é um grande álbum e a banda manteve suas características nas músicas Earthshaker Rock, Down And Out, Out Of Control, além da faixa-título e da balada Catch My Heart. Mas, afora o lado da produção, como foi a reação dos fãs e da imprensa ao redor do mundo?
Doro: Foi genial! Muitas pessoas pensavam que nós iríamos mudar totalmente nosso estilo por causa da mudança para uma gravadora de grande porte, mas depois viram que isto não aconteceu. Aquilo para muitos jornalistas e fãs era um tipo de problema, só de terem a notícia de que a banda sairia de uma independente para uma major já começavam a desconfiar.

E, depois, como vocês lidaram com as críticas a respeito do True As Steel, já que ele veio com uma sonoridade um pouco diferente?
Doro: Acredito que este é o álbum menos gostamos. Tivemos muitos problemas para gravá-lo. Todo o processo foi bastante complicado. A pressão era quase insuportável, os empresários e os executivos da gravadora só pensavam em ganhar dinheiro em cima da banda. Foi terrível ter que gravar um álbum sob pressão. O álbum é muito polido e mostra uma banda tentando soar comercial, mesmo sem saber o que era ao certo ser uma banda comercial. A banda, como sempre, é a última a saber da coisas que acontecem nos bastidores.

Por outro lado, em relação a turnês, esta época foi muito boa, porque vocês tocaram no festival inglês “Castle Donington Monsters Of Rock’96” e também excursionaram com o Judas Priest, W.A.S.P. e Motörhead?
Doro: Você está certo, ter tocado naquela edição do “Monsters Of Rock” foi muito bom, provavelmente uma das melhores experiências que passei em toda carreira. A turnê com o W.A.S.P. foi boa e com o Judas Priest então nem se fala. Sempre fui fã da banda e aquilo para mim foi um sonho realizado. Um outro grande momento que sempre me recordo foi a primeira turnê pelos EUA, ao lado do Megadeth. Ficamos na estrada quase um ano!

Quando você se mudou para Nova York, sua intenção era fazer um som mais próximo ao Hard Rock, que havia sido iniciado, mesmo que de forma tímida, no álbum True As Steel?
Doro: Não, esta não foi minha intenção. Acho o True As Steel muito polido, mas não dá para afirmar que é um álbum típico de Hard Rock. Ele não é mais Hard do que Metal (risos). Gosto muito mais do Triumph And Agony, que é meu álbum favorito do Warlock. Fizemos muito sucesso com o Triumph And Agony, ele rompeu nossas barreiras nos EUA e no mundo.

Muitos o consideram como o melhor trabalho do Warlock e as músicas I Rule The Ruins e All We Are são verdadeiros clássicos!
Doro: Sim, e ainda tem a Touch Of Evil, Cold Cold World e Für Immer, que fez muito sucesso na Alemanha, pois não era comum uma banda de Metal cantar algo em alemão. E tem uma coisa bastante curiosa porque a música virou uma espécie de hino para quem ia se casar. Acho que naquela época todos os fãs de Metal que se casavam entravam ou tinha em sua cerimônia esta música! Cheguei a cantar ao vivo em muitos casamentos (risos). Ah, sou suspeita em falar mais sobre este álbum, pois é o meu favorito e foi a fase que tivemos mais projeção no cenário musical em geral.

Então por que ocorreu a separação da banda após a turnê do Triumph and Agony, que vocês realizaram ao lado do Dio?
Doro: Na verdade nosso manager, que acumulava a função de cuidar também do nosso merchandising, ele roubou o nome Warlock e registrou em seu nome. Fomos obrigados a brigar na justiça mas, infelizmente, ele ganhou o processo. Então, como ele ficou com os direitos sobre o nome Warlock, nós não pudemos lançar um novo álbum que, por sinal, já estava gravado. Foi uma fase estressante de todos os lados, tanto por parte da gravadora como internamente com os outros músicos. Perdemos nossa sintonia e o ponto de referência foi quebrado após nos impedirem de usar nosso nome. Para recuperá-lo teríamos que pagar cerca de 50 mil dólares, um grande absurdo! O baixista Tommy Henriksen foi o primeiro a sair e, depois, me acompanhou em minha carreira solo, gravando o álbum Force Majeure.

O álbum Force Majeure saiu em 1989. Naquela época sua intenção era ter uma carreira solo como a de Lita Ford, ou seja, com um som mais leve?
Doro: Não, de jeito nenhum, nunca me espelhei nela para fazer meu som. Muitos disseram que comecei a fazer baladas em minha carreira solo, mas isto não é verdade, pois o Burning The Witches, o primeiro álbum que gravei com o Warlock, já tinha duas baladas, Without You e Holding Me, que os fãs gostavam muito. Depois, fiz Catch My Heart, Love Song e Make Time For Love. Isto só com o Warlock! O Force Majeure era mesmo mais leve que o Triumph And Agony, mas isto não tem nada a ver com as baladas, sempre as fiz e nunca deixarei de fazê-las. Quando comecei minha carreira solo queria fazer com que cada álbum tivesse uma mensagem e um ‘feeling’ diferente e, por consequência, o estilo das músicas também não seria o mesmo. O que saísse do meu coração, a inspiração que tivesse no momento, influenciariam nas composições, ou seja, um trabalho totalmente aberto. Queria fugir de qualquer tipo de pressão para fazer o que gosto ou o que tivesse vontade de fazer. E sempre dei o máximo de mim, nunca poupei esforços!

Como veio o contato com Gene Simmons (Kiss) para que ele produzisse seu segundo álbum solo, Doro?
Doro: Eu sempre fui grande fã do Kiss, queria convidá-lo para uma grande festa de aniversário. Pedi para meu manager encontrar o endereço dele. Depois disso fiquei pensando na hora de dormir que eu poderia gravar um cover do Kiss, fazer alguma versão ou em ter algum integrante da banda gravando comigo. Quando acordei no dia seguinte liguei novamente para meu manager Alex e contei o que eu estava planejando, mas ele disse que seria difícil. Disse que tudo bem, mas que mesmo assim queria um endereço para contato, pelo menos para convidá-los para a festa. Dois dias depois, Alex me ligou logo cedo e disse: "Levante-se imediatamente, se arrume que eu tenho uma surpresa para você!". Não tinha ideia do que iria acontecer. Fui para a rua 57, em Manhattan/Nova York, e Alex já estava me esperando na entrada. Logo perguntei: "Quem está a minha espera?". Ele disse: "O Gene Simmons". Aí a minha curiosidade transformou-se em euforia. Nem sabia o que fazer, porque fiquei nervosa, não sabia o que eu iria falar para ele. Depois de uns 15 minutos andando de um lado para o outro eu fui me encontrar com ele. Gene foi muito simpático, nos recebeu bem e expliquei quais eram meus planos. Ele entendeu tudo e disse que haveria possibilidade dele participar de duas músicas no meu álbum. Começamos a trabalhar e ele acabou participando de todo o processo e ainda produziu o álbum, que foi gravado em Nova York e Los Angeles. Foi inacreditável ir ao estúdio todos os dias, trabalhar cerca de 16 horas podendo expor minhas ideias a Gene Simmons, que é um músico fantástico e uma grande pessoa. Além disso, gravei uma versão de Only You, que se encontra no álbum Music From The Elder do Kiss. Depois disso me tornei ainda mais fã do Kiss.

No álbum True At Heart, além da música Heartshaped Tattoo, como foi a aceitação das outras faixas, pois acredito que muitas seriam perfeitas para tocar nas rádios?
Doro:
Como disse antes, minha intenção era fazer álbuns diferentes e inesperadas. Fui para Nashville (EUA) e encontrei um grande ambiente para escrever minhas baladas. Gostei muito das músicas que fiz com Gary Scruggs, The Fortuneteller, Fall For Me Again e I Know You By Heart. O álbum foi muito bem como um todo e me abriu as portas, mas nunca tocaram minhas músicas nas rádios. Isto é muito difícil porque eles logo pensam: “Ela é legal, mas é uma cantora de Heavy Metal!”. Nunca me importei muito com isso.

Na época do álbum Machine II Machine você estava curtindo música eletrônica?
Doro: Não, mas compusemos e gravamos o álbum inteiro, mas quando estávamos para mixá-lo eu disse ao produtor que o disco não mexia comigo e que não estava contente com o resultado. Ele disse: “Como assim, o álbum está pronto!? E você vem me falar isto depois de um ano!?”. Disse novamente que estava descontente e resolvemos fazer muitas mudanças e a sonoridade mudou bastante, foi uma fase experimental, mas não me arrependo. A música The Want ficou tão diferente que me surpreendi com o ‘groove’ e resolvi deixar o álbum inteiro soando como ela. O produtor não ficou tão contente, mas acabamos nos entendendo (risos). Em 1995 o Metal não estava passando por uma grande fase, era aquela época do Grunge, não sei se você se lembra, mas foram tempos difíceis para todos nós. Muitas bandas de Metal acabaram rescindindo seus contratos com as gravadoras, inclusive eu nos Estados Unidos. Ninguém queria mais saber das bandas de Metal e de Hard Rock. Por isso, fiquei contente em conseguir fazer algo diferente e que ninguém estava esperando.

Mudando de assunto, você ainda pratica Thai Boxing (Muay Thai)?
Doro: Sim, comecei em 1995 e adoro praticar. Infelizmente não é possível manter uma sequência séria nos treinamentos, porque muitas vezes estou em turnê ou gravando em estúdio e isto dificulta o ritmo em qualquer esporte. Não está sendo possível praticar constantemente, mas no começo eu treinava todos os dias. Para manter a forma física é um excelente exercício, não só pelo exercício físico, mas pela filosofia de qualquer Arte Marcial. É como na música, você tem que sentir quando pode vencer, você não pode ser lerdo ou chegar atrasado.

A Alemanha tem um grande lutador de Thai Boxing, o Stefan Leko, você o conhece?
Doro: Já ouvi falar dele, mas não sou uma grande expert no assunto. Sei que a Holanda é um grande centro de lutadores e a Alemanha também consegue manter um bom nível nas Artes Marciais.

- Editada a partir de uma entrevista publicada na revista Roadie Crew (ed. 37), de 2002 -

Discografia – WARLOCK:
Burning the Witches (1984)
Hellbound (1985)
True As Steel (1986)
Triumph And Agony (1987)

Discografia – DORO:
Force Majeure (1989)
Doro (1990)
Rare Diamonds (1991)
True At Heart (1991)
Angels Never Die (1993)
Doro Live (1993)
Machine II Machine (1995)
Love Me In Black (1998)
The Ballads (1998)
Best Of (1998)
Calling The Wild (2000)
Fight (2002)
Für Immer (DVD, 2003)
Classic Diamonds (2004)
Classic Diamonds - The DVD (2004)
Warrior Soul (2006)
20 Years A Warrior Soul (DVD, 2006)
Celebrate (The Night Of The Warlock) (EP, 2008)
Fear No Evil (2009)
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