quarta-feira, 20 de outubro de 2010

MTV, eu vi

A alegria durou pouco, mas nos pareceu uma eternidade. Os coroas estavam a mil tentando descobrir uma forma de ganhar dinheiro, já que o Plano Collor confiscou a poupança bancária de boa parte dos brasileiros. E nós, os mais jovens, estávamos preocupados em tentar achar um jeito para conseguir sintonizar aquele "canal americano que rola som o dia inteiro". A partir de 20 de outubro de 1990 não importava como, seja com sintonizador de UHF ou um pedaço de Bombril, todo mundo queria conferir aquela emissora.

Confesso que foi muito complicado começar a gravar os videoclipes em vídeo, especialmente os do saudoso "Fúria Metal", apresentado pelo ex-advogado Gastão Moreira – qualquer semelhança com este que vos escreve é mera coincidência. Em todo caso, o fã do Monster Magnet e ex-companheiro do meu amigo baterista Ricardo Confessori na banda Witchcraft, ia nos brindando com o que havia de mais legal e novo no mundo Metal. Além dos clipes, quando a emissora efetivamente pegou, foram abrindo espaço para entrevistas e matérias especiais quando atrações de peso visitavam o nosso país. Não tão frequente como a absurda e, até certo ponto, improvável enxurrada de shows que assola o país hoje em dia, cada evento era realmente um grande acontecimento. Movimentava todos com enorme euforia. Mais ainda para eles, os profissionais da MTV, que estavam descobrindo a melhor forma de trabalhar e abordar estes assuntos ao público jovem, algo que tempos depois nós (ROADIE CREW) também vivenciamos.

Não seria exagero dizer que a MTV Brasil fez com que Metallica, Guns N'Roses, Skid Row, Bon Jovi, Sepultura, Faith No More, Living Colour, Pantera, Aerosmith e algumas outras bandas incrivelmente atingissem o status de 'cool' no país do Samba. Só que era justamente aí que morava o perigo. Ninguém tinha consciência, mas a turma dos "in" (descolados) começou a trabalhar tramando o passo seguinte, aquilo que substituiria o que nós tanto gostávamos. A turma dos camisa de flanela chegou e aí a MTV se tornou a NTV, mudando aos poucos o seu foco e, anos depois, descambando de vez para o precipício. Claro que estou focando exclusivamente no nosso lado, o do Heavy Metal.

A massificação fez a sua parte e o que antes era marginal entrou na moda. Porém, o que entra na moda tem prazo de validade e aquilo que era legal se tornou motivo de chacota. Hoje, quando lembram que o Heavy Metal existe ou é parar tripudiar ou relembrar os feitos das bandas acima mencionadas que, milagrosamente – ou propositadamente –, conseguiram suplantar o efeito NTV e a linha "severa" da brasilidade exacerbada. Se existe algum problema para abordar o assunto que hoje ninguém mais tem a menor noção na emissora, algum "in"(die) deve dar um berro na redação: "Ah, é sobre isso? Então, chama o Andreas Kisser!".

A noção da fidelidade e da forma passional na relação dos fãs com o Heavy Metal pode ter mudado, mas ainda me lembro do ódio de todos os meus amigos no pós-Rock In Rio de 1985, quando confundiam o Língua de Trapo com grupos de Metal. O "Festival dos Festivais" foi um prato cheio para satirizar os "metaleiros", termo que qualificou de forma caricata o fã de Metal. Assim, nada mais coerente do que o caricato Língua de Trapo ter ficado entre os doze finalistas com a música "Os metaleiros também amam". Aí você pode pensar: "nossa que radicalismo bobo". Sim, bobo. Realmente bobo. Espera aí... Como diria o saudoso Costinha, me lembrei de outra que vem mais a calhar. Ainda na fase "Rock In Rio", a comédia infantil "Os Trapalhões no Reino da Fantasia" (1985) mostrou o quarteto humorístico Didi, Dedé, Mussum e Zacarias parodiando uma banda de Heavy Metal e encenando o show do "Heavy Traps", com referências diretas ao AC/DC. Fazendo uma analogia aos nossos tempos, mais um ponto para a NTV, que reviveu a paródia com seu digno representante do mais puro Heavy Metal: Massacration.

Embora alguns sejam verdadeiros fãs do estilo e grandes comediantes, o desserviço prestado pelos hoje "Legendários" será incalculável. Mais do que o Viper quando tentou seguir os passos do Raimundos com sua fase "Rock nacional pesado". E todos sabem, após se tornar uma megabanda, a banda de Brasília sumiu embalada pela fé de seu ex-frontman. A outra fez sua parte, levando meu amigo e ex-colega de faculdade de Direito, Oswaldo Yves Passarell, ao Capital Inicial. Olha como são as coisas: enquanto o vocalista Dinho queria soar mais pesado com seu projeto solo Vertigo, Oswaldo estava no auge do sucesso com o Viper mas ficava mais preocupado com as provas da faculdade do que com qualquer outra coisa. Chega de divagações, prometo que vou parar de entregar alguns segredos por aqui...

Bem, como diria aquele narrador esportivo, "o tempo passa", mas os objetivos da emissora de atingir um público jovem foram plenamente atingidos. Os profissionais que por lá passaram hoje têm grande respeito na mídia brasileira. Merecidamente, diga-se. E mais, também não seria exagero dizer que a primeira emissora de TV segmentada do país salvou a vida do meu amigo João Francisco Benedan. Se o saldo da NTV é amargo para quem gosta de Heavy Metal, pelo menos nesta leva um dez de dimensões "gordas".

Ah, antes dos parabéns, não poderia deixar de lado uma curiosidade. Apenas cinco dias depois de entrar no ar pela primeira vez há vinte anos, nascia o hoje ator e cantor Fiuk, digno representante do atual momento da NTV. Parabéns. E basta.

16 comentários:

  1. Muito bom ,pena que tardia esta sua esposição do cenário nacional do Heavy-Metal,não tenho a certeza quando digo por culpa sua;mas de todos nós.Que ficamos sentados olhando acontecer.
    Como voce mesmo disse da atual"ntv",não vou por maiúsculo ;mesmo por que eles não merecem ,ja foi faz tempo...
    Exatamente por este motivo foi que nasceram alguma\s vertentes do própria emissora,no nosso cenário.Como se costuma dizer:"HÁ MALES QUEM VEM PRA BEM".Pena que o acesso nacional ao VH1 foi muito tardio,mas pelo menos tivemos nossas grandes revistas e fanzines que não nos deixaram tão desamparados;bem como os programa de rádio.GOSTEI DO QUE LI GRANDE ABRAÇO.

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  2. Ótimo texto! Eu fui gde fan deste canal, atualmente as vezes assisto o programa Furo o restante não tem valor algum.... MTV é tão controladora qto a Rede bobo.

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  3. RB,

    Assim como vc, tbém fui um dos esperou com ansiedade a estreia da MTV no Brasil, e, por meio desta, nos tempos áureos, adicionei bastante ao meu dicionário musical.

    Entrentanto, reconheço que de alguns anos pra cá, um certo "efeito Rede Globo" tomou conta da emissora, que tornou-se, em minha opinião, celeiro de "bandas" de qualidade extremamente duvidosa, como Restart, NxZero, etc. Como diz aquele péssimo - mas muitas vezes verdadeiro - slogan de marketing: "Imagem é tudo, sede não é nada"

    Vida ao longa à música de qualidade...vida longa ao Metal !

    Parabéns pelo excelente texto !

    Saudações,

    Guilherme Nozawa, fotógrafo e "Metaleiro", com "M" máiúsculo !!

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  4. Batalha te admiro por não fazer médias ou trazer meias verdades ao praticar uma das coisas que mais gosta e no qual possui talento: escrever.

    Infelizmente o lema "diversidade musical" é disseminado a todo vapor sem antes passar pelo crivo do discernimento. Talvez seja espelho da falta de conhecimento musical de uma maioria e também pela participação ativa por parte de proprietários de veículos de comunicação (alguns até considerados 'especializados') que se rendem ao apelo monetário de empresários do tipo “gente boa”.

    Esperamos que o futuro seja melhor e que nossas bandas brasileiras não tornem-se apenas páginas empoeiradas ou vagas lembranças de quem um dia conheceu o nosso verdadeiro rock.

    Sigamos em frente.

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  5. Muito bom o comentário! pois despertou um sntimento de saudosismo em mim pois eu peguei a fase de transição da MTV (Fúria Metal era foda) , mas comparado a hj eu prefiro muito mais a "NTV" do que a "ITV"(indiêmo TV), derrocada total.
    Por isso fico feliz em ser da geração ( como eles me chamam)"old scholl".
    METAL NESSA PORRA!!!

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  6. Parabéns pela crônica!
    Refelete exatamente o que aconteceu na época!

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  7. Saudades dos bons tempos do Gastão no Fúria.

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  8. ae muito bom o comentário !!! Saudades do Fúria Metal, e do apoio maior que era dado ao metal nacional !!! abraço ae !!

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  9. batalha e sua raiva do grunge srsr mas ficou legal o texto

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  10. Não consigo entender realmente sua raiva do grunge, Batalha. Acompanho há mais de 10 anos a Roadie Crew e sempre que pode vc alfineta esse estilo, como se fosse culpa dos artistas a decadência do Hard Rock no começo dos 90. É claro que não! Aquela cena já estava totalmente saturada e havia se transformado em uma competição de cabelos e roupinhas exageradas, e a música era o último componente dessa equação. O único motivo para que o hard e heavy estarem muito bem nos dias de hoje foi justamente o grunge, que os forçou a retornar ao underground e reavaliar sua música. E além disso, é impossível desconsiderar a musicalidade das bandas daquela época, que era excelente. Sou fã de hard rock também, mas não levo o que ocorreu para o lado pessoal, já que ninguém compra a balela de que o grunge era um lixo e os músicos não prestavam! Esse discurso na minha opinião é tão mercadológico e invejoso quanto ao que vc critica, já que a MTV e os demais canais musicais obedecem somente às tendências apontadas pelo mercado, e não a conceitos artísticos. Viva ao Hard e ao Grunge. Viva a liberdade na música e abaixo ao redicalismo saudosista

    William Guimarães de Uberlândia Minas Gerais

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  11. William, aceito a sua posição mas o caso aqui é específico. Apenas relatei o que ocorreu. Sem querer entrar em polêmia, mas discordo de forma veemente quando você diz, de forma ingênua, que "a MTV e os demais canais musicais obedecem somente às tendências apontadas pelo mercado". Muito pelo contrário, eles CRIAM.

    Todos os dias, nos seus mais diversos programas, a MTV faz questão de encaixar algo sobre o "N". Não importa o tema, sempre consegue encaixá-lo no meio do assunto. Tempos atrás, a NTV conseguiu falar do Nirvana em um documentário sobre o Depeche Mode!

    Como sempre disse, ser parcial e cuspir no prato que comeu é uma coisa, mas forçar a barra é outra.

    Viva a liberdade de expressão.

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  12. Excelente Batalha! Cada linha do que escreveu carrega uma verdade, o que é muito triste para quem admira a boa música.

    A MTV não segue tendências, ela às cria. Criou com Nirvana, que foi a grande abertura de portas para o Emo entrar com tudo no mercado músical alguns anos depois.

    Lembro-me do quanto era divertido ligar a TV e ver o clipe de "I Wanna Rock" rolando. Divertido, alegre, interessante, como tudo que era feito na época, a música estava lá pra divertir. Aí veio a turma da camisa de flanela e a depressão tomou conta da música; jovens que antes gritava "I wanna rock" agora se trancavam no quarto revoltados, tristes, o que descambou para o Emo anos depois.

    E a grande culpada disso tudo é a NTV, que um dia foi base pra uma juventude rebelde e alegre, hoje empurra garganta abaixo da mulecada, bandas de qualidade duvidosa, conteúdo tão consistente quanto um peido com toda a imagem "In" que as leitoras da capricho amam...

    Otimo Texto Ricardo! Acabei chegando aqui por um link em seu twitter, que acabei descobrindo pelo Twitter do Nuno (Vocal da Liar Symphony), Abraços!

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  13. Achei esse post muito massa, ele fez eu refletir na minha infância e adolescencia e simplesmente provou que existiam outros doidos e que não era só eu que ficava grudada no Bombril...hahahhahaha
    Meu email : alinejechow@hotmail.com

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  14. Cara, eu só acho que o metal está do jeito que está por que as pessoas acabaram fazendo dele o que ele sempre rejeitou (uma religião). Não tem nada a ver o Raimundos, o Massacration ou o Heavy Traps. O heavy metal e o rock em geral são apenas música como qualquer outra e está em decadência por que virou mais imagem e atitude do que música. E a música desse meio não se renovou, na verdade se copiou bastante e chegou ao ridículo com certas bandas. Assim como Dani Holden, vocalista do Shadowside falou "Não quero que comprem meu cd só pq é metal. Quero que comprem o cd pq gostaram da minha música e da minha arte!".

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